Uma visão da crise e um alerta às elites
A cultura literária é visual e separada (ou alienada). Ela cria o homem civilizado, o homem “destribalizado’. O homem que não está envolvido. E o efeito da Revolução Elétrica (esta que estamos vivendo) é criar novamente um envolvimento que é integral.
Por que de repente a arte a cultura se tornaram grandes negócios, como é a grande ciência? Os motivos para isso estão relacionados com o fato de que vivemos em uma Era da Informação. Quando se vive em uma Era da Informação, a cultura se torna um grande negócio, a educação se torna um grande negócio, e a explosão da cultura através da explosão da informação torna-se cultura por si mesma, derrubando todas as paredes entre cultura e negócios.
“A crise brasileira reflete a morte da democracia representativa no Ocidente” e corremos o risco de assistir “a ascensão de democracias não liberais (uma plutocracia mundial) ou de ditaduras plebiscitárias escancaradas, nas quais o líder eleito exerceria controle tanto sobre o Estado quanto sobre os capitalistas“.
Fernando Henrique Cardoso, autor do artigo cujo título abre o lead deste, é o último estadista da nossa época. Em seu artigo aponta “as grandes transformações econômicas e tecnológicas, responsáveis pelo enfraquecimento dos Estados nacionais, em sociedades cada vez mais fragmentadas e expostas a tensões e desequilíbrios de uma crescente diversidade cultural”, como fatores críticos da crise.
Martin Wolf do Financial Times, autor da advertência sobre a ameaça que ronda todas as democracias ocidentais que fecha o lead deste artigo, é o mais arguto analista da imprensa econômica mundial. Faz anos que vem publicando periodicamente artigos chamando a atenção das elites globais sobre sua responsabilidade em relação à crise que estamos atravessando: instituições desajustadas, políticas econômicas concentracionistas, bancos cada vez mais especulativos e descontentamento global dos “perdedores econômicos”. Para ele, não foi surpresa a vitória de Trump nas eleições norte-americanas, mera consequência (No final deste artigo, links para uma série de análises deste quadro do Martin Wolf).
No início do ano, o caderno de leitura do Valor publicou uma entrevista do economista francês Robert Mayer na qual referendava tanto Fernando Henrique Cardoso quanto Martin Wolf. Mas, além disso, argumentava que, no plano teórico, o maior empecilho para superarmos a crise financeira é a “incapacidade da própria ciência econômica de explicar as razões da crise e solucioná-la com as ferramentas até então disponíveis em seus manuais”.
Faltou para os três, e acredito que é por isso que ninguém consegue explicar as razões da crise, uma análise da ruptura mais profunda que a sociedade humana sofreu em todos os tempos: a dramática mudança do seu ecossistema de informação de processos broadcast para processos em rede, a primeira descentralizada e sem controle da História da humanidade, na qual cada um de nós está no centro, o que não contribui para a cooperação e colaboração. Ao contrário, polariza o debate social e fomenta uma sociedade narcisista e egoísta.
Harold Innis, economista canadense que começou sua vida acadêmica analisando a relação dos países periféricos com os centrais, se tornou a maior referência da escola de comunicação de Toronto em função de seus estudos das sociedades, dos impérios, em função da sua “estrutura de linguagem” (discurso, escrita, arquivo, distribuição). Da escrita na pedra, cuneiforme e a oralidade grega ao papel e à invenção da bobina e das rotativas, que marca o início da comunicação de massa. Tudo que veio depois foi basicamente aceleração e ampliação. Isso até o corte da rede, o marco de início da Era Elétrica, na qual o sistema de comunicação da sociedade é uma extensão do nosso sistema nervoso.
Innis, mentor de Marshall McLuhan, no livro O viés da comunicação, argumenta em síntese que “o tempo social é definido pela linguagem que restringe e fixa conceitos prévios e modos de pensar”. Tanto ele quanto McLuhan defendem a tese de que o que molda a sociedade é a forma como ela se informa, o ambiente tecnológico pelo qual ela se informa e não o conteúdo que ele carrega.
Robert Boyer na entrevista ao Valor, adverte que não podemos esquecer que a saída para a Grande Depressão de 1929 só foi possível depois da 2ª Guerra Mundial. Para ele, “o desafio é encontrar uma solução que leve em conta três fatores principais: a recuperação dos EUA, o dinamismo da China e o esgotamento dos recursos naturais”.
Bato nesta tecla desde os anos 80, influenciado por Fernand Braudel, o grande historiador da nossa época, que no final dos anos 70, numa entrevista de fôlego com o ponto de partida na primeira grande crise do petróleo, fazia uma análise do quadro que vivíamos argumentando que aquela crise era só a ponta do iceberg, que estávamos entrando numa crise de longa duração, uma “onda longa”, os ciclos de Kondratiev. E ia mais fundo do que o Robert Boyer argumenta na boa entrevista ao Valor sobre o estado de “envelhecimento” e desajuste das instituições.
Para Braudel, o conjunto dos conjuntos das estruturas avançou à frente das instituições que regulam a sociedade, as do nosso tempo amadurecidas a partir das revoluções burguesas na Europa em meados do século 19. Na entrevista, argumentava que já nos anos 80 não sustentavam uma sociedade muito mais complexa, fragmentada e com uma dinâmica infinitamente mais rápida do que a da sociedade do tempo em que elas se conformaram.
Depois de uma rápida viagem pelos tempos da história e suas rupturas, terminava a entrevista dizendo que os políticos, os economistas, as lideranças dos processos institucionais iriam dizer que a crise iria passar. E comentava que estavam no papel deles, têm que passar esta mensagem para o público, mas a crise está aí para ficar. Ela terá seus ciclos, momentos piores e melhores, mas vai durar um bom tempo. A formação das instituições é um processo lento consequência de um amplo pacto social.
Isso foi bem no início dos anos 80. De lá para cá rolou o que sabemos até a emergência da internet, marcando o início da Era Elétrica, prevista e estudada por uma série de pensadores voltados para os impactos dos processos de comunicação na sociedade. Das trilhas do passado e suas possibilidades à velocidade da rede, a extensão do nosso sistema nervoso, e seus impactos em tudo nas nossas vidas e no arcabouço cognitivo dos indivíduos e da sociedade.
A crise política brasileira torna-se dramática neste contexto. Cabe às nossas elites se conscientizarem sobre este processo e liderar um movimento civilizatório que permita ao Brasil superar seu atraso secular em relação às questões referentes ao conceito de cidadania dos séculos 19 e 20 e avançar sobre este novo tempo investindo o que for necessário em infraestrutura tecnológica e educação. A Internet não é apenas um monte infinito de informações. Ela tem vida. Tem alma. Quando você entra nela e aprende a ouvi-la, com a devida atenção e cuidado, você aprende com ela, que reflete os anseios da sociedade. Não existem dois mundos: um analógico, outro digital. Um é a extensão do outro.
A alternativa é caminhar para o caos, com momentos de anomia e conflito social. Talvez sem caminho de volta.
Fracasso das elites é ameaça para o nosso futuro
Os perdedores econômicos estão se revoltando contra as elites
Tragam nossas elites para mais perto do povo
Uma elite à mercê daquilo que ela mesma criou
A ira populista deveria servir de alerta às elites do planeta