Caminhando contra o vento, sem lenço nem documento

Caminhando contra o vento, sem lenço nem documento

95: no final de 94, o México tinha entrado na crise que ficou conhecida como “el horro de diciembre” ou “Efeito Tequila”. Em março de 95, com a internet chegando ao Brasil, com as configurações atuais, publico o artigo abaixo no O Estado de S Paulo, com o título infeliz  de um editor do jornal “Tempo real poderá democratizar a informação”, sob a emoção de mais um movimento especulativo do mercado financeiro e da emergência da Internet, com suas perspectivas de futuro.

É  redundância dizer que estamos assistindo ao mais profundo, dramático e rápido processo de mudança que a humanidade já sofreu. Mas é necessário quando estamos falando de responsabilidade das empresas e profissionais empenhados em informar o mercado financeiro: o primeiro setor da nossa sociedade que se interligou em tempo real globalmente, subvertendo a ordem instituída e questionando a noção de soberania nacional. Se isso já está claro há muito tempo para a pequena parcela da aldeia global que participa ativamente deste mercado, é uma grande novidade e fator de insegurança para os meros mortais que vêm de um dia para o outro a economia de um país – o México, e por consequência a de todo o nosso Continente – sofrer uma revolução em função da movimentação dos trilhões de dólares que alimentam o mercado financeiro internacional.

 

Até que ponto um fato como este é de responsabilidade dos protagonistas deste mercado, ou de políticas governamentais, ou de questões estruturais, como cultura protecionista e corrupção, não é objeto de te artigo. Nossa responsabilidade, empresas e profissionais dedicados a fornecer informações em tempo real para o mercado financeiro, é com a correção e acurácia da informação, com a certeza dos protagonistas do mercado de que não temos nenhum tipo de interesse ou posição no mercado. Mais do que isso, a certeza de que o grupo empresarial que hoje sustenta a operação não tem outro interesse econômico fora do setor de informação.

 

O nosso dia a dia é feito de sangue frio e responsabilidade. Sangue frio porque centenas de pessoas estão envolvidas num processo de captar, processar e enviar notícias, análises e dados para milhares de telas de computadores – em mesas de operação de bancos, corretoras, traders, scalpers, departamentos financeiros de empresas – e, por isso, a responsabilidade: são eles que movimentam os trilhões de dólares. Uma operação como essa envolve não só jornalistas. Envolve homens de tecnologia, de marketing, de relação comercial e de administração. É uma operação casada em tempo real, em que todos têm o mesmo nível de responsabilidade em relação à nossa missão: instrumentalizar os homens do mundo de negócios para tomar posições.

 

Mas temos um paliativo: a certeza de que será este o processo da indústria da informação daqui para a frente. Houve um tempo em que o meio jornal tinha o monopólio da informação. Era o único canal entre a sociedade civil e o poder público. Representou, com o desenvolvimento da revolução industrial, a praça da cidade antiga: o ponto de encontro da coletividade. O lugar onde ela se encontrava para se informar, refletir e debater o seu próprio futuro.

Depois, vieram o rádio e a televisão. Junto com eles, a massificação. A possibilidade de um grupo econômico interferir como nunca na evolução dos costumes e da cultura. Com o domínio da informática, que permite a um grande grupo tradicional de informação ter numa mesma base tudo o que captou por meios próprios ou de terceiros, e com o domínio da telecomunicação, que permite a este mesmo grupo fornecer a informação para os mais diversos públicos, pelos mais diversos meios, o jogo mudou.

 

A revolução da informação trouxe incerteza e insegurança. Trouxe a possibilidade de movimentos especulativos jamais sonhados. Mas trouxe também a possibilidade da democracia direta. Quanta tempo e a que custo chegaremos lá é outra questão. O fato é que a forma como hoje o mercado financeiro se informa, em tempo real globalmente, já é algo possível para os mortais comuns: a Internet e derivados representam a democratização da informação, que muito em breve transitará por ela em texto, imagem e som em tempo real. Agora, muito além do que entre todos os mercados, entre todas as pessoas.

 

O desafio que se coloca para as empresas é perceber que todas as suas cartas estão nos recursos humanos: a tecnologia, o meio, será de todos com custos insignificantes. A futura (não tão futura assim) empresa de informação terá a possibilidade de oferecer ao publico conhecimento agregado. Num processo que privilegia a horizontalização, o trabalho através de células comprometidas com o processo. Ao contrário do antigo processo industrial, que privilegiava estruturas piramidais e concentração de poder. O desafio dos profissionais da informação é manter o elo de confiança com o público em geral, conscientes de que no próximo milênio as grandes empresas de informação vão se atomizar em pequenas unidades. Estamos a um passo da aldeia global. O que estamos assistindo no mercado financeiro é só a ponta do iceberg. A democratização da produção e a disseminação da informação só se legitimarão na medida em que os agentes deste processo tenham consciência rigorosa da sua responsabilidade com o público.

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