Nó na Garganta
mário marinho, um dos bons editores do JT, me enviou esta foto com ma provocação para contar sua história. contei. está na última página do jtsempre desta semana e aqui.
Me dá um puta nó na garganta olhar para esta foto do Rolando de Freitas, no porto da casa do seu Acyr, na foz do rio Real, no fundo da baía dos Pinheiros. Cortando madeira para o fogão de três pedras no chão deste velho e bom amigo caiçara que há pouco menos de um ano tinha sido surpreendido pelo grilo de 60 kms dos 90 kms do litoral do Paraná pela CAPELA, Companhia Agropastoril do Paraná.
Desde a minha adolescência costumava ir para esta região, que depois ficou conhecida como Lagamar de Iguape, Cananéia e Paranaguá, e me aboletar na casa de algum caiçara de uma das dezenas de vilas que até hoje resistem ao tempo. No início dos anos 80, fui estudar em Paris, onde fiquei um ano e meio. Quando voltei, assim que tive uma oportunidade fui para lá. E constatei o processo de grilagem: dezenas de vilas da ilha do Superagui, das Peças e do continente estavam cercadas pelo pessoal da CAPELA e por seus búfalos.
Estava voltando também para o Jornal da Tarde, onde aprendi o ofício do jornalismo e onde tive enorme prazer de trabalhar porque lá, nos meus primeiros anos de vida profissional, minha única responsabilidade era fazer jornalismo. O grilo caiu do céu para mim. Iria fazer deste o assunto da minha volta para o JT. Propus uma pauta e fui para lá com o Rolando para fazer um levantamento mais detalhado do grilo. Ficamos na casa do seu Acyr, eu dormindo na sua cama de esteira de palha, encima de uma armação de pau roliço. O Rolando na casa vizinha, do filho Maurício, recém casado com a Dina.
Rolando, que não sabia nadar, apavorado com as minhas saídas barra a fora para dar a volta completa nas ilhas com uma voadeira pouco apropriada para estas aventuras, costumava ficar na casa do seu Acyr nestas ocasiões mancomunando também piadas como a desta foto, que deveria ser uma provocação para mim que ele via como um ambientalista. Com certeza, o Rolando fez um material iconográfico sobre a vida do caiçara nesta viagem que repórter fotográfico nenhum do Brasil chegou aos pés. Um material espetacular e precioso.
Numa das matérias sobre o grilo, fiz o perfil do Acyr, que foi publicado como O Caiçara, um dos textos cuja construção me deu mais prazer. Desta matéria em 83 até o fim do grilo foram dois anos de trabalho do JT como um todo. Dirceu Pio, comandando Laurentino Gomes na sucursal de Curitiba, foi um dos pilares para conseguirmos tirar os grileiros da região. Eu, que nunca me pretendi ambientalista, acabei me articulando profundamente com esta comunidade em São Paulo e me envolvendo totalmente com a criação da Fundação SOS Mata Atlântica, junto com o Randau Marques. Acabei sendo seu primeiro presidente de fato. Foram 5 ou 6 anos. Parte deste tempo eu como editor chefe do JT.
O nó na garganta é porque do JT fui para a Agência Estado, na minha cabeça com a missão de trazer o JT, O Estado e toda a empresa para os novos tempos dos fluxos de informação fragmentados para uma sociedade cada vez mais fragmentada. Procurando trabalhar a edição nos ambientes fluidos da rede com a mesma técnica e força que aprendi no JT. Não deu tempo. A melhor e mais séria escola de jornalismo no final do século 20 no Brasil não deixou herdeiros. Acabou. Sendo bisneto, neto e filho de quem sou seria um filho da puta se não tivesse este sentimento. Mas continuo na luta procurando caminhos na rede.