Quem manda na internet?
Guia para a Tecnologia Publicitária (Guide to Advertising Technology) G
(por Elizabeth Anne Watkins, Columbia Journalism Review)
Resumo
A tecnologia publicitária gerou uma imensa infraestrutura técnica. As tecnologias e motivações da publicidade são a base da economia da internet. Os sites jornalísticos não são exceção. As informações que procuramos sobre o mundo estão apoiadas e são formatadas pela publicidade e suas necessidades. Os jornalistas precisam saber mais sobre essas tecnologias, como elas funcionam e como elas influenciam a prática, a distribuição e a percepção do jornalismo.
A tecnologia publicitária pode ameaçar a reputação e a viabilidade econômica dos publishers em diversas maneiras. A chamada “ad tech” promove um tipo específico de engajamento com a audiência, e suas estruturas de incentivo comprovadamente afetam o modo como as notícias são produzidas, reduzindo a confiança dos leitores que os publishers estejam oferecendo uma cobertura jornalística objetiva. O fluxo de dados dos usuários via ad tech por sistemas não-transparentes, e em alguns casos com a instalação de malware nos equipamentos dos leitores, ameaça a privacidade e segurança dos leitores e pode danificar ainda mais a imagem dos publishers. A lentidão no carregamento e a distração incômoda dos anúncios tipo display pode reduzir o desempenho dos sites de notícias e afugentar os usuários, que migram para “jardins murados” como aplicativos privados ou plataformas de redes sociais. Isso pode desviar o público para longe dos outlets de jornalismo profissional, deixando a audiência exposta a operações de manipulação informativa, em padrões que os acadêmicos e legisladores estão apenas começando a entender. As políticas sobre publicidade em redes sociais ameaçam borrar a fronteira entre jornalismo e propaganda política, e podem incentivar os chamados “influenciadores” a ignorar totalmente os publishers e criar seus próprios conteúdos. Empresas de busca, por sua vez, têm sido acusadas de explorar seu poder sobre como os usuários acham e acessam as informações.
Para produzir este guia, partimos de uma série de perguntas, incluindo: qual é a relação entre publishers jornalísticos e anunciantes? O que está mudando? O que está em disputa? E como o sistema atual de publicidade, autores, leitores e equipamentos influencia as notícias?
Principais destaques:
- A publicidade foi essencial para o desenvolvimento do jornal moderno e da reportagem objetiva. As mensagens publicitárias de hoje, transmitidas por meio de um sistema interconectado de softwares, servidores de dados, agência de marketing e mercados de dados, ainda sustentam a maior parte da produção de notícias, mas são pouco estudadas nos cursos tradicionais de jornalismo.
- A dependência dos publishers em relação à ad tech facilita a coleta e movimentação de dados dos usuários por meio de sistemas opacos, o que pode ameaçar a confiança dos leitores nas notícias.
- O ad tech e suas métricas comprovadamente alteram a produção interna das notícias, o que cria um conflito com os compromissos clássicos do jornalismo com a cobertura objetiva.
- O mercado hipereficiente de anúncios programáticos fez os preços despencarem, reduzindo o faturamento para os publishers.
- O ad tech é afetado por fraudes como visualização por “bots” (softwares que imitam usuários humanos), o que faz com que muitos anunciantes transfiram seus investimentos publicitários para as redes sociais e sites de buscas, reduzindo ainda mais o faturamento dos publishers.
- Os efeitos negativos do ad tech na experiência do usuário (anúncios visualmente invasivos, lentidão no carregamento e consumo da franquia de dados móveis do usuário) pode levar os leitores (e o dinheiro relacionado com sua atenção) para longe dos sites jornalísticos, dando preferência para apps privados e plataformas sociais.
- A relação entre publishers e redes sociais representa uma dinâmica assimétrica de poder, e já se sabe que ela afeta a capacidade dos publishers em atingir as audiências, especialmente no caso dos publishers locais.
- O controle das plataformas sobre a exibição de conteúdo jornalístico levou alguns publishers a recorrer ao uso de influenciadores, o que por sua vez estimula o crescimento de firmas que oferecem conteúdos produzidos sob medida e com precisão de algoritmos especificamente para influenciadores. As plataformas estão tentando impor normas sobre a distribuição de conteúdos por influenciadores, mas isso pode ser uma tarefa difícil.
- Os mecanismos publicitários das redes sociais, especialmente o “hyper-targeting”, podem ser transformados em armas por agentes mal intencionados.
- Todos os jornalistas, de repórteres a editores, precisam se manter informados sobre os mercados dinâmicos de produção e consumo de notícias e informações.
Introdução: por que os jornalistas precisam saber como funciona o ad tech?
Imaginem uma jovem chamada Molly, que trabalha como gerente de eventos em Chicago. Durante o planejamento de um longo seminário, ela e seus colegas comentam a respeito da “preguiça” pós-almoço que geralmente ocorre nesse tipo de evento. Para manter o pique dos debates, Molly decide encher o auditório com doces. Ela usa seu laptop e entra no site Amazon.com para comprar vários pacotes de doces. No dia seguinte, Molly percebe que a Amazon está sugerindo vários outros tipos de doces para ela escolher. Rapidamente, porém, ela vê que sua vida digital se transformou em uma terra de doces. Balas e pirulitos aparecem nas páginas de quase todos os sites que ela visita. Naquela noite, procurando informações sobre um pronunciamento presidencial importante, ela visita vários sites jornalísticos respeitados e percebe com surpresa que mesmo os artigos mais sérios estão acompanhados de anúncios de balas de goma e caramelos.
A publicidade encompassa a economia da internet. “Tecnologia publicitária” é um termo para o sistema de softwares, servidores de dados, agências de marketing e mercados de dados que facilitam a venda de dados dos usuários e a exibição (display) de mensagens publicitários para os usuários da internet, incluindo sites de buscas, redes sociais e aplicativos. A grande maioria dos sites e das plataformas sociais são sustentados por ad tech. Os sites jornalísticos não são exceção. O problema é as escolas de jornalismo estão dando pouca atenção à economia política da publicidade nos sites jornalísticos. A experiência do usuário em diferentes aparelhos, a perda de controle sobre o que é exibido nos sites dos publishers e como essa perda pode afetar a reputação da marca estão entre os temas pouco abordados nos currículos do jornalismo profissional. É uma tendência preocupante, já que o ad tech pode influenciar a produção, distribuição e a percepção do jornalismo, tanto em aspectos óbvios como sutis.
As redes sociais em especial causaram uma ruptura no controle que os publishers costumavam ter sobre as informações e publicidade, e o ambiente com múltiplos aparelhos inverteu a primazia pela atenção dos leitores, que foi por muito tempo uma exclusividade dos publishers. Os experimentos com formatos de anúncios borraram a antes clara linha divisória entre os departamentos editorial e comercial das empresas jornalísticas. A ambiguidade é hoje a norma. Jill Abramson, ex-diretora executiva do New York Times, faz uma consideração sobre seus valores com um senso de nostalgia “Talvez eu fosse linha-dura demais, mas eu acreditava na muralha (entre os lados comercial e editorial do jornal)”. Este “Guia para Tecnologia Publicitária” pretende explicar como tudo isso aconteceu e o que representa para a prática de jornalismo hoje, oferecendo uma educação útil na história e política econômica das tecnologias de publicidade digital. O guia inicia-se com uma breve história da publicidade moderna no jornalismo e uma revisão dos fundamentos do marketing. A seguir, são apresentadas descrições técnicas sobre o funcionamento dos anúncios de display digitais, os contornos do espaço do ad tech e o impacto material que o ad tech tem sobre a experiência do usuário. O estudo então examina os padrões resultantes no consumo de notícias e anúncios, como os consumidores e as forças de mercado reagiram contra a publicidade de display digital e como a indústria de marketing reagiu investindo pesadamente em plataformas sociais e sites de busca.
O estudo também aborda como o ad tech cria estruturas de incentivo, que podem influenciar o modo como repórteres e editores pensam a respeito da produção de notícias, e como as tecnologias publicitárias ameaçam o relacionamento entre publishers e leitores, incluindo reputação e marcas jornalísticas. O fato de que as instituições jornalísticas, que estabeleceram um compromisso de informar os cidadãos em uma democracia livre, estejam participando conscientemente do sistema técnico da publicidade – que comprovadamente viola a privacidade dos leitores – é um sério dilema ético. A tecnologia e a sociedade estão misturadas e constroem uma a outra, e os jornalistas precisam ter compreensão de ambas para apresentar uma narrativa que nossa democracia exige.
Por fim, é relevante observar que este relatório é um item de biblioteca, o que significa que suas fontes primárias não são entrevistas, mas reportagens do setor de tecnologia, literatura acadêmica nos campos de marketing e estudos de jornalismo, manuais de marketing e “cases” de faculdades de administração.
O ad tech é um campo que se desenvolve muito rapidamente, fica portanto um alerta que os detalhes podem estar sujeitos a mudanças. As lições políticas e filosóficas, contudo, devem continuar relevantes.
Tipos de anúncios: Display, Branded, Targeted, e Programmatic
- Do “branding” ao “targeting”.
Para entender o contexto do mundo onde anúncios display são comprados e vendidos, é útil apresentar um pouco da história dos principais temas da publicidade nos últimos 30 anos.
Na segunda metade do século 20, o principal foco da indústria publicitária era o “branding”. Anúncios de branding são geralmente grandes mensagens visuais, de alto impacto, que associam um produto a uma série de valores. Os consumidores que se sentem representados por esses valores, ou que querem indicar aos outros que acreditam nesses valores, podem ficar inclinados a comprar um produto dessa empresa. As campanhas de branding geralmente são apresentadas em comerciais de televisão, já que a TV é considerada a melhor mídia para branding. Se você já viu um comercial de cerveja que é mais focado em festas, garotas e diversão do que na cerveja em si, então você sabe o que é um anúncio de branding.
Os anunciantes tendem a apostar no branding quando há vários concorrentes semelhantes de alta qualidade no mercado.
Empresas como Procter & Gamble, General Foods e Unilever desenvolveram a disciplina do gerenciamento de marcas – o marketing como conhecemos hoje – quando perceberam que os níveis de qualidade dos produtos oferecidos pelos concorrentes haviam aumentado. Um “brand manager” seria responsável por dar ao produto uma identidade que o destacasse em meio a concorrentes praticamente indistinguíveis.
Um bom exemplo disso é Coca-Cola versus Pepsi. Os dois refrigerantes são quase indistinguíveis como produtos – portanto, as empresas investem altos valores em campanhas de branding para torna-los diferentes um do outro. A Coca-Cola busca associação com valores como união, comunidade internacional e felicidade. Já a Pepsi busca qualidades como progressismo, energia e juventude.
A percepção da marca e dos valores da marca, creem os anunciantes, podem influenciar as decisões de compras dos consumidores. A Procter & Gamble, que fabrica itens de consumo doméstico e é uma das maiores anunciantes do mundo, anuncia propositalmente grupos de produtos diferentes, como o sabonete Ivory, o detergente Tide e sabão para lava-louças Dawn dentro de uma “família de marcas” unificada. O diretor (Chief Brand Officer) Marc Pritchard disse que “descobrimos que muitas vezes quando as pessoas sabem que uma marca é da P&G, elas se sentem melhor a respeito da marca. E quando sabem que a P&G tem todas essas marcas, elas se sentem melhor a respeito da P&G”. Essa abordagem é exemplificada pela publicidade da P&G durante os Jogos de Inverno de 2010, que combinou 18 produtos diferentes da P&G em uma única bandeira, em vez de focalizar nos produtos individuais.
Em meio a esse ambiente de publicidade baseada em branding, os anúncios digitais do formato display estrearam no final dos anos 1990. A publicidade em display são anúncios retangulares que aparecem nos sites, visitados em um computador desktop, tablet ou smartphone. Eles existem em vários formatos, classificados pelo grupo industrial Interactive Advertising Bureau (IAB) em função da relação altura/comprimento, como Horizontal 2:1, Horizontal 4:1, and Vertical 1:2., como mostrados na figura 1.
(Figura 1: Tamanhos aceitáveis de anúncios display para cada tipo de aparelho, segundo a definição do Interactive Advertising Bureau)
Supostamente, os anúncios display devem seguir os padrões e normas definidos pelo IAB. À medida em que a atenção do consumidor se reparte entre smartphones e tablets, além da TV, rádio, revistas, jornais e mídia exterior, os anunciantes tiveram de competir por esse recurso valioso e cada vez mais escasso, o que o mercado chama de “economia da atenção”. Dentro desse ambiente competitivo, a publicidade mudou seu foco do “branding” para o “targeting”.
As campanhas de branding são criadas para chamar a atenção de uma grande parcela da população. Os anúncios de targeting funcionam de modo oposto: são criados para serem os mais atraentes possíveis para grupos específicos de pessoas. Para entender como o targeting funciona, é preciso examinar quais dados dos consumidores são coletados, e como esses dados são coletados.
Inicialmente, os sites captam dados sobre você a partir do programa de navegação e de algo chamado de “tracking cookies”. Os tracking cookies são fragmentos de códigos em linguagens como HTML e Javascript que os sites inserem no programa de navegação (browser) do usuário. Esses pedacinhos de código monitoram os usuários, registrando e enviando ao site original informações sobre os sites que você visita e as coisas que você compra. Os sites reúnem essas informações em duas categorias: 1) dados comportamentais sobre os tipos de sites que você visita e quanto tempo fica conectado neles, e se você comprou alguma coisa; e 2) dados demográficos que eles deduzem a partir do comportamento online, como sua idade, nível educacional, estado civil, faixa de renda e interesses pessoais. Essas informações são então usadas para gerar anúncios para os usuários segundo dois parâmetros: 1) o que você faz (quer dizer, targeting comportamental) e 2) quem você é (targeting demográfico).
A coleta de dados também pode ocorrer no hardware. Um exemplo é sistema de coleta de dados a partir do hardware que ocorre nos telefones equipados com o sistema Android do Google. Um jornalista do The Guardian requisitou uma cópia do arquivo de dados que o Google tinha sobre ele, e descobriu que o Google tinha salvado todos os termos já buscados por ele (cerca de 90.000), todas as imagens baixadas, todos os sites acessados, todos os eventos listados no Google Calendar, incluindo os horários desses eventos, e cada item salvo no Google Drive. O jornalista também havia conectado seu medidor FitBit ao Google, assim o Google tinha o registro de cada passo dado em corridas, sessões de ginástica, yoga e meditação. E como o repórter tinha um telefone com o sistema Android, o Google tinha todas as fotos que ele havia tirado com o celular, incluindo os metadados sobre a localização e data da foto.
O Google tornou o uso desses dados no targeting transparente para os usuários do seu navegador Chrome. Todos os usuários do Chrome podem acessar uma página chamada “ad personalization” e examinar os atributos baseados em interesses e dados demográficos que foram coletados e processados pelo Google.
(Figura 2: atributos de targeting de anúncios baseado em dados da autora, coletados pelo Google)
Essas informações não são úteis apenas para direcionar os anúncios especificamente para você, mas também para direcionar anúncios para pessoas como você. Os sites agregam todos os dados de seus usuários para criar um instantâneo dos dados demográficos dos visitantes, incluindo faixa média de idade, etnicidade, locais de residência e trabalho, faixa de renda e nível educacional. Esses dados de usuários, chamado de “inventário”, são então usados para vender espaços publicitários para marcas e anunciantes por meio de agências de publicidade. A métrica usada na compra de inventário é a “impressão”, o que significa quantas “impressões” um anúncio registrou entre os usuários que o viram. As impressões são vendidas em CPM, ou “custo por mil visualizações” – um termo que veio da publicidade de TV medida pela firma de audiência Nielsen, apesar das impressões de anúncios digitais terem qualidades muito diferentes. Os anunciantes geralmente estabelecem seus alvos de impressões junto com o valor a ser investido na campanha: “queremos atingir um número Y de impressões, e vamos gastar X para isso”.
Os publishers podem oferecer sistemas de preços alternativos baseados em outras ações dos usuários (além das meras impressões), como o CPC (“cost-per-click”, quando um usuário clica em um anúncio) ou CPA (“cost-per-action”, quando o usuário clica no anúncio e também realiza uma compra)
2- Publicidade programática
Voltando à história da publicidade, os anúncios online explodiram nos anos 1990 e 2000. Os sites estavam vendendo um volume cada vez maior de impressões para um número crescente de anunciantes. Rapidamente, os publishers tiveram de lidar com bilhões de impressões e milhares de anunciantes. Nesse espaço ruidoso, surgiu uma nova camada de prestadores de serviços chamados “ad networks” (redes de anúncios). As ad networks são empresas que agregam sites que tem inventários semelhantes em grupos, facilitando para os assinantes a compra de anúncios. Desse modo, os anunciantes podem comprar grandes volumes de anúncios para exibir para usuários semelhantes em sites diferentes, e atingir suas metas de impressões de modo mais eficiente
Figura 3
Toda essa agregação, e o número astronômico de impressões unificadas, logo criou uma situação onde os anunciantes não sabem onde seus anúncios estão sendo exibidos ou quem os está comprando. Rapidamente, os compradores de anúncios passaram a buscar mais transparência a respeito do que estavam comprando com o dinheiro que investiam. Isso levou à criação de “ad exchanges” (bolsas de anúncios): plataformas abertas para comparar os preços e qualidade das impressões, para então compra-las. A figura 3 mostra o ecossistema de ad exchanges e ad networks. Os anunciantes são representados por uma barra verde à esquerda, e os publishers por uma barra azul à direita. Entre eles, é possível ver o enorme número de empresas de serviços que formam o cenário do ad tech, incluindo agências de publicidade, compradores de mídia e corretores de dados.
Você pode ver camadas adicionais de empresas, que executam serviços a partir dos dados dos usuários (todos aqueles dados comportamentais e demográficos coletados por meio dos cookies). Esses serviços incluem otimização (testar e analisar os dados de modo mais profundo para aperfeiçoar o targeting); retargeting, que é direcionar anúncios para o usuário depois que ele sai do seu site (lembram-se de Molly vendo anúncios de doces depois que saiu do site da Amazon.com?) e “ad attribution” – executar análises de dados dos hábitos de compras do usuário para determinar qual anúncio o levou até a efetivação da compra. Um corretor de dados no setor de ad exchange explicou desse modo os seus serviços para os anunciantes:
“Podemos desenvolver um segmento de audiência sob medida, a partir dos modelos dos visitantes de seu site (isso é chamado “look-alike modeling”); encontrar residências que têm a maior probabilidade de comprar determinados produtos ou serviços (“MRI Lifestyle Clusters”); se estiver patrocinando uma página na AOL, retarget os consumidores que visitaram a página (“Sponsorship LeadBack”); encontrar sua audiência feminina ideal nos sites com maior probabilidade de visitas (“Subnet Targeting”), encontrar mulheres que estão procurando por informações sobre moda ou casas e jardins e direcionar targets específicos para residências onde há mulheres (“Age/Gender Targeting”)
É nesses ad exchanges que ocorrem os lances programáticos em tempo real. Os lances programáticos em tempo real são leilões ao vivo disputando a atenção do usuário, que ocorrem em milissegundos toda vez que um anúncio é carregado na página. O processo começa assim: como no site de leilões eBay, os publishers disponibilizam um inventário de anúncios (medido em impressões de usuários) em um bloco de leilão. Os anunciantes fazem lances por esse inventário usando programas de computador (daí o termo “programático”). Os anunciantes dizem aos programas que tipo de inventário comprar baseados em vários parâmetros. Os programas fazem lances altos ou baixos, dependendo da adequação do inventário para a campanha publicitária do anunciante, em função do orçamento destino para ela. Os lances ocorrem em tempo real, porque esses leilões ocorrem toda vez que um usuário abre uma página da web, no tempo de milissegundos.
3- Anúncios display em sites de notícias
Organizações jornalísticas publicam padrões descrevendo os formatos que os anunciantes podem esperar ver nas páginas da web, e também os termos e condições que os publishers estabelecem para os anunciantes. Em termos de formatos, essas indicações incluem templates visuais. No guia “Digital Advertising Production Format Guide” do britânico The Guardian, esses templates incluem formatos de anúncios como “Cascade,” “Expanding Billboard,” “Fabric Video,” “Filmstrip,” “Focus,” e “Sliding Doors”. O Guardian apresenta imagens para os anunciantes mostrando como os anúncios aparecerão nas telas de diferentes aparelhos. O “Media Kit” do New York Times também oferece um pacote completo de formatos e imagens de anúncios nos formatos disponíveis. (Figuras 4 e 5)
Figura 4: Especificações de formatos de anúncios do The Guardian
Figura 5: as especificações de formatos de anúncios do New York Times
Os termos e condições especificam o que é esperado dos anunciantes. Alguns publishers incluem exigências sobre a “veracidade” dos próprios anúncios (os “Termos e Condições” do The Guardian especificam que os anúncios devem ser “legais, decentes, honestos e confiáveis”). Outros tentam estabelecer relação de boa-fé quanto à confiabilidade das especificações técnicas dos anúncios. O Guardian diz em seus Termos e Condições que “todos os anúncios enviados para publicação online devem estar livres de quaisquer vírus, adware, malware, bit torrents, e nenhum anúncio deve causar efeitos adversos ao funcionamento do website”. O Media Kit do New York Times estabelece que “todos os tags de terceiros e tecnologias auxiliares servidas pelos tags devem ser compatíveis com SSL (HTTPS)”. Apesar desses requerimentos, foram detectados problemas criados tanto pela infraestrutura técnica da publicidade como pela economia política na qual essa infraestrutura está inserida.
A influência da publicidade nas notícias: inchaço, cliques e bots
O ecossistema do ad tech apresenta várias questões para a produção, distribuição e consumo de notícias. Em primeiro lugar, ele tem impacto material sobre a experiência do usuário. Em segundo, o ad tech cria estruturas de incentivos, que podem influenciar o modo como repórteres e editorem pensam sobre a produção jornalística.
i. Usabilidade e inchaço de anúncios
o Wall Street Journal recentemente informou que a publicidade na era digital arrasta o peso da história: os anúncios digitais estão sobrecarregados com a mentalidade ultrapassada de publicitários que cresceram na era do branding. Ideias de anúncios com imagens em grandes formatos que funcionavam bem na televisão, mas agora estão sendo injetadas em minúsculos anúncios digitais ou contribuem para formas mais invasivas de publicidade online, como as mensagens “roadblock”, que ocupam a tela inteira por alguns segundos e atrapalham a experiência do usuário.
Além de prejudicar a qualidade da experiência do usuário, a infraestrutura técnica dos anúncios digitais reduz o desempenho dos browsers. Basta lembrar de todos aqueles cookies embutidos nos anúncios, além das inúmeras transações de alta complexidade técnica dos leilões programáticos em tempo real, rodando milhões de linhas de código e enviando e recebendo instruções de milhares de servidores a cada milissegundo. Isso sobrecarrega os programas de navegação, tornando os sites de notícias mais lentos e atrapalhando ainda mais a experiência do usuário.
Em 2015, um estudo do New York Times descobriu que a homepage do Los Angeles Times tinha 5,7 megabytes de conteúdo. Porém, o conteúdo jornalístico chegava a apenas 1,6 megabyte – quase 73% do total dos dados enviados para os usuários eram devidos aos anúncios. Isso tornava muito ruim a visita ao site, tanto em termos de tempo de carregamento (os anúncios aumentavam em sete segundos o tempo de carregamento da página, um aumento de 175% em relação ao normal) como de custos para os usuários, especialmente aqueles que acessavam a página em um smartphone ou tablet – que são os aparelhos cada vez mais usados para acessar notícias. Desde 2015, 99 dos 110 maiores sites jornalísticos tinham mais visitantes usando aparelhos móveis do que desktops para acessar suas páginas. Algumas operadoras de telefonia (como a AT&T e Verizon nos EUA) cobram tarifas se você ultrapassa a franquia de dados contratada. Desse modo, sites com inchaço de anúncios não apenas demoram mais para carregam, eles deixam as contas de telefone e internet mais caras para o usuário. Na verdade, os leitores que usam pacotes de dados móveis estão pagando em tempo e dinheiro para ver anúncios que cobrem ou atrapalham a leitura do conteúdo jornalístico que eles estão tentando ler.
O targeting também modifica o mundo que as pessoas veem online porque os anúncios são direcionados para audiências específicas, o que significa que algumas pessoas verão mensagens diferentes de produtos e serviços. O professor Joseph Turow da Universidade da Pennsylvania descreveu esse processo no The Atlantic:
“Considerem uma família fictícia de classe média com pai, mãe e três filhos. Os pais Larry e Rhonda estão recebendo anúncios de financeiras populares e de empréstimos consignados. E Larry percebe com tristeza que os sites de automóveis que ele visita mostram artigos e anúncios sobre carros populares ou modelos usados. Sua amargura aumenta quando ele comenta com sua chefe sobre a crise econômica que anda vendo na web. Surpresa, ela diz que visita os mesmos sites de automóveis e tem a impressão oposta: muitos dos artigos são sobre os modelos alemães mais recentes e um site até ofereceu um cupom para um test-drive em uma revendedora perto de sua casa”.
ii. Ad tech, privacidade e segurança
Além dessas questões de usabilidade, economia e targeting, a tecnologia publicitária também apresenta dilemas de privacidade e segurança. Mesmo que um publisher exija que o anúncio digital não contenha malware, a complexa infraestrutura técnica da publicidade fez com que sites jornalísticos publicassem anúncios com programas nocivos para os leitores.
Em 2009, o New York Times foi vítima de um golpe chamado “malicious ad swap”, onde um anunciante que era reconhecido como legítimo passou subitamente a enviar malware para os leitores. A BBC e o New York Times também enviaram “ransomware” aos leitores (programas embutidos em anúncios que procuram brechas no computador do usuário e instalam softwares que travam a máquina, que depois só pode ser destravada mediante pagamento em bitcoins). Em outro caso de anúncios em sites jornalísticos invadindo a privacidade dos leitores, o site do canal Showtime da rede CBS foi flagrado “minerando” bitcoins por meio das máquinas dos usuários. O caso foi explicado em uma reportagem do The Guardian, com o título “Ads Don’t Work So Websites Are Using Your Electricity to Pay the Bills”:
“O serviço americano de streaming Showtime estava enviando códigos para minerar criptomoedas nas máquinas dos usuários – as criptomoedas, como o bitcoin e seus sucessores, funcionam por um sistema de “mineradores”, que competem para resolver complexos problemas de computação em troca de uma recompensa. Esses problemas exigem uma grande capacidade computacional e também consomem um grande volume de eletricidade. O código malicioso contornava esses problemas, fazendo o usuário pagar a conta de energia elétrica, mas a recompensa ficava com o site”.
Joe Stewart, diretor de pesquisas sobre malwares na empresa de serviços de segurança SecureWorks comentou que “o desenvolvimento de anúncios multimídia, mini-aplicativos e ferramentas de redes sociais está superando rapidamente a capacidade de reação para a segurança que deve existir nesses aplicativos”.
Todas essas ameaças à experiência e privacidade do usuário podem colocar em risco a confiança que os leitores depositam nos sites jornalísticos. Dessa forma, não é surpresa que as tecnologias publicitárias apresentem um sério risco para a reputação das marcas jornalísticas. Além disso, as demarcações do ad tech sobre o que é valioso na economia da atenção podem alterar as práticas profissionais e organizacionais do jornalismo.
iii. Notícias? Ou produtos geradores de renda?
Além das questões sobre usabilidade e privacidade, os incentivos e infraestruturas do ad tech podem incitar as organizações jornalísticas a produzir e distribuir determinados tipos de notícias. As economias de escala ditadas pela publicidade significam que o dinheiro dos anúncios só se torna tangível quando um número imenso de pessoas vê as mensagens. Investigações jornalísticas e estudos acadêmicos realizados em redações mostraram que os repórteres e editores se sentem pressionados para produzir notícias e tomar decisões operacionais segundo as demandas das estruturas e métricas da publicidade.
À medida em que a indústria de publishing adota funções, rotinas e métricas herdadas do setor de tecnologia, bem como da área de vendas de anúncios, mais decisões orientadas por essas métricas estão afetando o modo como as notícias são distribuídas e consumidas.
As métricas de engajamento medem o grau de envolvimento de uma audiência com o site. Isso inclui cliques (quantas pessoas clicam nos anúncios do site), hits (pageviews), sessões (tudo que um leitor faz enquanto está visitando o site), uniques (número de visitantes únicos no site) e muito mais. Mesmo as palavras “artigo” e “conteúdo” denotam valores e prioridades diferentes na produção de notícias. Enquanto a palavra “artigo” é usada no jornalismo com o sentido de um compromisso jornalístico para informar o público com uma cobertura objetiva, a palavra “conteúdo” vem do setor de tecnologia e indica o papel da palavra escrita dentro de uma infraestrutura maior de transmissão de conteúdo criado para metas específicas, como aumentar o engajamento e gerar faturamento.
O Columbia Journalism Review escreveu extensamente sobre essas motivações concorrentes em sua cobertura sobre a saída de Jill Abramson do comando do New York Times em 2014, e a chegada de seu sucessor Dean Baquet. O CRJ relatou que Baquete acredita que a tradicional “muralha” entre as áreas comercial e editorial do Times deve ser derrubada para garantir a precária sobrevivência do jornal: “Baquet…declarou secamente que a tradicional divisão notícias-publicidade se tornou um luxo que o Times não pode mais se permitir. Para conseguir vencer, disse ele, é necessária a cooperação da área comercial”. Jim Abramson, porém, disse o contrário: “Eu não queria que a energia de nossos jornalistas fosse focalizada em produtos geradores de faturamento”.
Angele Christin, estudiosa de comunicações em Stanford, realizou um estudo em uma redação nos Estados Unidos e outra na Europa, e descobriu que tanto repórteres como editores internalizam e reagem aos números de analytics e métricas da publicidade, e aos programas de engajamento da tecnologia. “Programas de engajamento” (“engagement programs”) são softwares, como o popular ChartBeat, que medem e exibem métricas de engajamento.
Christin descobriu que, embora as respostas não fossem exatamente as mesmas, nenhuma das duas redações estava imune à influência dos programas de engajamento. Repórteres e também editores levavam os números dos programas em consideração ao tomar decisões sobre que tipo de matérias e reportagens escrever, e como gerenciar, incentivar e promover repórteres:
“Web analytics são usados por alguns editores como indicadores de desempenhos na administração de pessoal, especialmente na hora de decidir como promover e compensar os jornalistas. Em vários sites de notícias em Nova York e Paris, essa correlação entre faturamento e tráfego é ainda mais clara: os redatores são ‘pagos por clique’, uma percentagem do faturamento publicitário que seus artigos atraem. Eles também podem receber bônus substanciais quando seus artigos são amplamente compartilhados nas redes sociais”.
É uma mudança dramática em comparação com as gerações anteriores de jornalistas, que escreviam desejando a aprovação de seus pares ou prêmios por reputação.
O YouTube fornece um exemplo claro de como as métricas de engajamento mudam o tipo de conteúdo que é incentivado e distribuído algoritmicamente pela economia da atenção. O crítico de mídia Zeynep Tufekci escreveu sobre uma investigação do Wall Street Journal que mostrou que o algoritmo de recomendações do YouTube empurra os espectadores para vídeos mais extremos, contribuindo para a radicalização dos usuários:
“O que faz com que as pessoas fiquem grudadas no YouTube? O algoritmo do site parece ter concluído que as pessoas são atraídas por conteúdos mais extremos do que o ponto de partida, ou vídeos incendiários de modo geral… o Wall Street Journal realizou uma investigação sobre o conteúdo no YT e descobriu que o site de vídeos costuma oferecer vídeos de extrema-direita ou extrema-esquerda para usuários que geralmente veem vídeos equilibrados de notícias, e que essas tendências extremistas eram evidentes em uma grande variedade de materiais. Se você procurasse informações sobre vacinação contra gripe, o site recomendaria vídeos de conspiração anti-vacinação”.
Os jornalistas devem refletir sobre a relação entre publishers e anunciantes, as questões de usabilidade e privacidade apresentadas pelo ad tech, como as estruturas de publicidade incentivam determinadas decisões operacionais e organizações nas redações, e se é ainda razoável esperar que a publicidade financie o jornalismo. Com isso em mente, vamos nos concentrar em um dos agentes neste sistema que drena dinheiro dos anunciantes e dos publishers: a fraude.
iv. Fraude e bots
Apesar dos algoritmos sofisticados, complexos sistemas técnicos e uma ampla variedade de firmas de serviços, a indústria publicitária é marcada pela fraude. O redator publicitário Akit Kohli observa que “a fraude na publicidade é geralmente pela criação de um tráfego falso de anúncio, usando sites de fachada e outros mecanismos fictícios para apresentar anúncios que não são de fato vistos pelos consumidores”.
O chamado “bot viewing” é uma reclamação frequente. Os bots são programas que realizam tarefas automatizadas na internet (“bot” vem da palavra “robot”, robô, que tem origem na palavra checa para “trabalho”). “Bot viewing” ou “bot traffic” ocorrem quando esses programas são usados para imitar usuários e inflar os números de audiência. Esses programas e seus serviços estão facilmente disponíveis para compra na internet. Uma busca no Google por “viewing bots” incluiu um serviço para pessoas que querem ampliar a audiência de seus próprios vídeos no YouTube (figura 6)
Figura 6
Esses bots são usados para enganar os anunciantes, fazendo-os pensar que milhões de pessoas clicaram em um anúncio de vídeo, quando na verdade parte desse engajamento não era humano. Alguns bots criados na Rússia são capazes de copiar publishers, criando cópias de sites jornalísticos para furtar dinheiro dos anunciantes.
Enquanto os anunciantes pensavam estar anunciando em websites reais, na verdade eles estavam comprando inventários falsos ou cópias de sites visitados por bots. Os pesquisadores relatam que o golpe afetou mais de 6.000 sites de grandes publishers, incluindo The Huffington Post, The Economist, ESPN, Vogue, CBS Sports, Fox News, e até a Fortune.
O MIT Technology Review escreveu em 2014 que 36% do tráfego da internet é realizado por máquinas sem interferência humana. O IAB estimou no estudo de 2015 “What Is an Untrustworthy Supply Chain Costing the Digital Advertising Industry?” (“Qual é o custo de uma cadeia de suprimentos não confiável para a indústria publicitária digital?”) que a indústria perde US$ 4,6 bilhões por ano devido aos bots. O Wall Street Journal informou em meados de 2017 que a Procter & Gamble – um dos maiores anunciantes do mundo, com imenso volume de anúncios exibidos – reduziu seu investimento publicitário digital em US$ 100 milhões, e seu executivo financeiro disse que a empresa estava apresentando anúncios para bots, e não para seres humanos. No final daquele ano, os cortes nos anúncios digitais subiram para US$ 200 milhões.
Alguns anunciantes recorreram ao uso de blockchains para combater a fraude, apostando no sistema de arquivos seguros e transparentes dessa tecnologia.
A reação contra a publicidade: Bloqueadores, centavos e muros
Diante das questões de usabilidade e finanças para os leitores, ameaças à privacidade e equipamentos dos leitores, o impacto das métricas do ad tech para a prática de jornalismo e o fato de que o próprio sistema do ad tech é permeado por fraudes, não é surpresa que os consumidores e publishers estejam reagindo contra o ad tech.
i.Blockers
Consumidores começaram a evitar toda a infraestrutura da publicidade com o uso de ad blockers, os bloqueadores de anúncios. Os ad blockers são plug-ins dos navegadores (ferramentas que podem ser baixadas e instaladas no browser) e bloqueiam o download dos códigos embutidos: os bloqueadores impedem os anúncios de instalar cookies nas máquinas dos usuários, e também impedem as tentativas dos anúncios de se comunicar com os servidores de ad-exchange. O Wall Street Journal informou que os publishers se tornaram conscientes do incômodo que os anúncios causam para os leitores:
“De acordo com muitos publishers, as agências publicitárias constantemente produzem anúncios grandes demais, com muitos arquivos de monitoração embutidos, e geralmente mandam no último minuto para os sites, que ficam sem tempo para recusá-los. Esse comportamento está contribuindo para tornar o carregamento dos sites muito lento, o que encoraja o uso de softwares bloqueadores entre os consumidores”
Desde 2015, a popularidade dos ad blockers disparou.
As empresas de browsers também adotaram os bloqueadores: em 2017 a Apple abalou os anunciantes digitais nas plataformas móveis ao incluir automaticamente um bloqueador de anúncios na versão móvel do Safari, o browser nativo do iPhone. O Google seguiu o exemplo em 2018, criando mecanismos para bloquear automaticamente o que considera como anúncios “invasivos” no navegador Chrome, que é usado por mais da metade dos usuários da internet.
Ao mesmo tempo em que os usuários e desenvolvedores abraçam o uso dos ad blockers, está cada vez mais claro que os anúncios estão gerando cada vez menos dinheiro para os publishers.
ii. Dólares no impresso, centavos digitais
A experiência publicitária está afastando os usuários dos sites de notícias, e para piorar a situação o mercado hiper-eficiente de anúncios está achatando o valor dos próprios anúncios. A situação foi apelidada pelo jornalista David Carr em 2008 de “print dollars, digital dimes” (trocando dólares do impresso por centavos no digital) – os anúncios digitais representam uma parcela cada vez menor do faturamento dos publishers.
O perfil de fontes de rendimento do New York Times migrou dramaticamente para longe da publicidade, que representava 71% em 2000 e apenas 37% no balanço de 2016. A transição tem sido contínua e certa: entre 2010 e 2015, o faturamento com publicidade impressa caiu 16% (de 44% do faturamento para 28%) e a sua contraparte digital teve um crescimento de apenas 2% (de 10% para 12%)
A ampla transparência, eficiência e disponibilidade dos dados forçou o preço das impressões para baixo, conforme observa o New York Times em seu relatório anual de 2014:
“As redes e exchanges de publicidade digital, os lances em tempo real e outros canais programáticos de compras que permitem que os anunciantes comprem audiências com escala também desempenham um papel mais significativo no mercado publicitário e estão forçando os preços para baixo.”
As pressões de mercado não apenas reduziram o valor dos anúncios digitais, mas sua eficácia relativa de atingir os consumidores também está sendo questionada: um grupo de marketing usou estatísticas divulgadas pelo Google AdWords para calcular a média de click-through (o percentual de pessoas que realmente clicam em um anúncio) e o número é menor do que 1%.
Os publishers reagiram a essa baixa taxa de click-through e o baixo faturamento gerado pela publicidade em display experimentando com modelos publicitários alternativos. Um desses modelos é o “affiliate advertising”, o que significa que um anunciante trabalha com afiliados (por exemplo, websites e publishers) para publicar posts patrocinados ou promoções de produtos, e esses afiliados ganham uma comissão quando um post ou produto gera uma venda. Os anunciantes obviamente pagam mais por essas ações de engajamento maior, já que o fluxo de faturamento depende de fazer os leitores realmente clicar nos anúncios – o que é uma tarefa difícil. O New York Times comprou um site de resenhas de produtos chamado WireCutter, onde algumas resenhas apresentam links de afiliados. Se o usuário fizer uma compra por meio de um desses links, o Times ganha uma comissão.
O Times discutiu o potencial de apresentar resenhas tendenciosas na seção “About” do site WireCutter:
“Para ficar claro: nossos redatores não sabem quais empresas podem ter fechado acordos de afiliação com nossa equipe comercial antes de selecionarem os produtos para resenhas. Se os leitores decidirem comprar os produtos que recomendamos como resultado de nossas pesquisas, análises, entrevistas e testes, nosso trabalho é geralmente (mas não sempre) financiado por comissões de afiliação do comerciante onde os usuários fazem a compra. Não existe incentivo para que escolhamos produtos inferiores ou atendamos pressões de fabricantes – na verdade, é exatamente o contrário. Acreditamos que é um sistema bastante, que nos mantém focalizados a atender os leitores em primeiro lugar”.
De modo geral, se configura um cenário sombrio no ad tech digital. Questões financeiras e de usabilidade afastam os leitores dos sites de notícias, e os leitores que permanecem estão usando ad blockers ou clicando em anúncios que geram valores muito baixos. Enquanto isso, novos modelos de anúncios como o affiliate marketing são arriscados porque podem gerar reportagens tendenciosas. Não é surpresa então que os publishers e anunciantes estejam buscando por estratégias diferentes.
iii. Paywalls e assinaturas
Uma maneira pela qual os publishers buscam fugir do modelo publicitário é usar paywalls e assinaturas. Com a queda do faturamento publicitário, o faturamento derivado de assinaturas cresceu para muitos publishers. Em 2000, as assinaturas representavam apenas 23% do faturamento total do New York Times, mas o percentual chegou a 54% em 2015. Uma paywall é um sistema digital que impede a leitura de conteúdos no site sem assinatura. Ao criar paywalls, os publishers aprendem sobre os comportamentos dos leitores e podem incentivar a compra de assinaturas. Existem três tipos básicos de paywalls:
- Hard: todos os leitores precisam pagar para ter acesso a qualquer artigo em qualquer aparelho
- Metered: Um determinado número de artigos pode ser acessado de graça por mês e depois o leitor precisa pagar para ter acesso.
- Leaky/porous: Apenas um certo número de artigos tem acesso gratuito, mas os leitores podem ver o conteúdo quando eles chegam ao site da publicação a partir de um site de busca ou rede social.
Existe um aspecto psicológico na construção desses muros de acesso: os leitores que chegam ao site do publisher por meio de um site de busca ou rede social são considerados “novos” ou “casuais”, sem fidelidade aparente com o site de notícias.
Ao exibir a eles conteúdos por meio de uma paywall metered ou porosa, os publishers esperam conquistar a fidelidade dos leitores, que pode eventualmente ser convertida em uma assinatura. Alguns publishers estão personalizando pacotes de assinaturas de acordo com audiências específicas, como fãs de esportes ou interessados em reportagens sobre crimes. Porém, os publishers enfrentam um sério desafio para criar paywalls que possam converter audiências fiéis em assinantes, e ao mesmo serem porosas a bastante para não perder o faturamento publicitário gerado por por leitores casuais. Os publishers também devem tomar decisões sérias sobre quando suspender as paywalls em momentos de crise, como no ataque ao World Trade Center em 11 de setembro. Vários fatores já foram citados pelos publishers como motivos para suspensão de paywalls, incluindo “informar o público em momentos de crises ou emergências; aumentar a divulgação de eventos e ocasiões especiais; ampliar o acesso a conteúdos não emergenciais mas vistos como de interesse público ou usando anunciantes como patrocinadores de curtos períodos de acesso geral”. Os acadêmicos de jornalismo Mike Ananny e Leila Bighash argumentam que essa lista indica a variedade de motivos subjetivos como os quais os publishers se comprometem.
As pressões negativas sobre os anúncios display (preços em queda, usabilidade baixa, a disparidade entre profissionais que são treinados em branding e os formatos pequenos do display digital, violações de privacidade e a migração para o modelo de assinaturas) forçou a indústria de marketing a procurar por novos canais para apresentar suas mensagens aos consumidores – alguns desses canais incluem apresentar anúncios em plataformas sociais e sites de buscas. Apesar de existirem várias redes sociais e sites de buscas, o foco aqui são os maiores players dessas áreas: o Facebook nas redes sociais e o Google na busca. Para os propósitos deste estudo, essas duas empresas – chamadas de “duopólio” da publicidade digital, que lideram isoladas no faturamento na indústria – são suficientemente representativas para as questões que afetam jornalistas e o jornalismo.
Em sua atividade profissional, porém, os jornalistas devem olhar além dessas duas empresas para examinar as ações e implicações das várias outras empresas agindo nessa área. A Amazon está silenciosamente emergindo como uma potência no espaço da publicidade digital, lançando novas maneiras de atingir os consumidores envolvidos em comportamentos de compras.
Anúncios em redes sociais
A publicidade em plataformas sociais envolve um complexo sistema sócio-técnico de empresas de plataformas, anunciantes, publishers, aparelhos, servidores, algoritmos e leitores. Esse esquema apresenta uma série de complicações profissionais, sociais e econômicas para o relacionamento entre notícias e publicidade.
i. Jardins murados e o crescimento da economia da vigilância
Enquanto alguns leitores usam ad blockers para se esquivarem dos anúncios display, outros abandonaram a web completamente e migraram seu consumo de notícias para aplicativos que funcionam como “jardins murados”, otimizados para aparelhos móveis e controlados por conglomerados privados. Os exemplos incluem a Apple e o Facebook. Segundo uma recente pesquisa do instituto Pew, 45% dos americanos declaram que o Facebook é a principal fonte de notícias para eles (Figura 7)
Figura 7
Com a queda nos preços dos CPMs e a adoção cada vez maior de ad blockers sufocando o fluxo de caixa da indústria, é fácil imaginar como a entrada na era das redes sociais representou uma benção para os anunciantes. Os dados praticamente infinitos sobre a vida pessoal dos usuários das redes sociais e o controle centralizado sobre o que é exibido para os usuários criaram imensas possibilidades de targeting. Os usuários não apenas fornecem dados pessoais diretamente, escrevendo detalhes sobre seus filmes, músicas, comidas, roupas e programas de TV favoritos, mas também realizam ações como postar fotografias, marcar amigos, assistir vídeos, clicar em links, dar “likes” em posts, entrar em “fan pages” e enviar mensagens aos amigos – e tudo isso é registrado e monitorado.
A Lei Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia de 2018 forçou as empresas de redes sociais a disponibilizar todos os dados coletados sobre os usuários residentes na UE pela primeira vez. Quando os jornalistas começaram a escrever sobre suas experiências ao baixar a analisar os dados que essas empresas tinham sobre eles, um repórter notou que o arquivo que o Facebook mantinha sobre ele era equivalente a 400.000 documentos do Word, incluindo todas as mensagens enviadas e recebidas por ele, todos os contatos em seu telefone, tudo que ele “curtiu”, todos os aplicativos que ele conectou ao Facebook e um registro de todas as ocasiões que ele fez log in e em qual aparelho.
ii. Do targeting para o influencing
Enquanto isso, outro tipo de persuasão que ocorre nas redes sociais não funciona por targeting baseado em dados comportamentais ou demográficos, mas usando o poder de indivíduos que possuem carisma ou capacidade de persuasão dentro de comunidades de consumidores. Na indústria publicitária, essas pessoas são chamadas de influenciadores. Um influenciador é alguém com forte relação com sua audiência, e pode afetar as decisões de compras do público devido ao conhecimento e autoridade que possuem com essa audiência.
Os influenciadores representam uma nova estratégia na publicidade em redes sociais, para setores que vão de produtos de beleza a energéticos ou brinquedos. Alguns publicitários apelidaram esse fenômeno de “growth hacking”, que significa aumentar a audiência “pegando carona” nas redes do influenciador. A indústria jornalística já utiliza o marketing de influência – por exemplo, os publishers Mic, Refinery29 e Slate contrataram o artista George Takei para promover seus artigos em sua popular página no Facebook. O site Mic teve um salto de três dígitos no engajamento (medido em comentários) de um artigo que Takei compartilhou na página (figura 8)
Figura 8
Os influenciadores se mostraram tão populares que uma pequena indústria surgiu para oferecer serviços entre anunciantes e influenciadores. O site Digiday reportou que uma firma atende mais de 100 publishers, incluindo Slate e Entrepreneur. No final de 2017, o Digiday observou que essas promoções contornavam as regras sobre o que é conteúdo comercial e o que é atividade orgânica de usuários, violando não apenas a confiança da audiência, mas os próprios termos de serviço da plataforma ao apresentar conteúdo patrocinado como se fosse uma opinião ou apoio autêntico: “As regras do Facebook exigem que os proprietários das páginas revelem a natureza comercial dos conteúdos postados, algo que essas celebridades não fazem”.
O Digiday também reportou em 2017 que as firmas que trabalham com influencers haviam começado a criar novas estratégias, oferecendo-se para trocar notícias por conteúdo próprio, uma opção mais lucrativa para o influenciador mas que tirava os publishers da jogada.
“Um número crescente de páginas de celebridades e influenciadores estão usando serviços que criam in-house conteúdos para os influenciadores, que são postados diretamente em sites criados especialmente para as celebridades, ou em uma página da própria empresa, onde a celebridade ganha um percentual do faturamento gerado pela visita dos leitores.
Além disso, algumas dessas páginas de influenciadores, que exibem conteúdo potencialmente duvidoso que não passou pelo crivo de nenhuma organização jornalística, foram na verdade criadas usando sofisticadas ferramentas de inteligência artificial (IA) e softwares de tracking, para imitar os sites que o usuário já visitou.
A empresa de serviços para influenciadores Providr usa machine learning para personalizar a aparência de seu site, que muda de acordo com a origem do usuário a partir da página de um influenciador – para manter o usuário por mais tempo na página e ver mais mais anúncios. “Nossa IA aprende o que um usuário tem mais tendência de gostar”, disse Gary Lipovetsky, co-fundador da Providr.
Na revisão das regras a respeito de conteúdo patrocinado e compartilhamento que ocorreu depois das eleições presidenciais americanas de 2016, o Facebook tomou medidas para corrigir esses atalhos usados pelos influenciadores. No começo de 2018, o Digiday reportou que “os donos de páginas não podem aceitar ‘nada que tenha valor’ em troca do compartilhamento de conteúdos que não tenham sido criados por eles em suas páginas’. Um CEO de uma empresa de serviços com influenciadores se mostrou pouco preocupado com as novas regras e disse acreditar que a dificuldade para aplicar as normas vai minimizar seu impacto – “Como o Facebook vai saber se George Takei postou alguma coisa porque ele gostou ou postou porque foi pago por isso?”
iii. Facebook e as notícias
O Facebook é uma empresa de rede social que oferece as versões dekstop e app de seu popular serviço de rede. O site de estatísticas online Statista informa que no segundo trimestre de 2018, o Facebook tinha 2,23 bilhões de usuários ativos mensais – quase um terço da população do planeta.
Depois das eleições americanas de 2016, foi revelado que o Facebook e suas ferramentas de publicidade (e outras plataformas de redes sociais) foram tecnologias essenciais usadas pelas operações de informação da Rússia com o objetivo de “semear discórdia no eleitorado”. Jonathan Albright, diretor de pesquisa do Tow Center for Digital Journalism da Columbia Journalism School, observou: “O Facebook criou ferramentas incrivelmente eficientes que permitiram que a Rússia acessa os perfis de cidadãos nos EUA e descobrissem como nos manipular. O Facebook deu a eles tudo que eles precisavam”. Albiright disse ainda que muitas das ferramentas que os russos usaram, incluindo aquelas que permitem o targeting de anúncios e mostram exatamente o alcance desse anúncio, continuam ativas ainda hoje no Facebook.
O Facebook reconhece que 150 milhões de americanos foram expostos à propaganda russa na plataforma e a empresa foi chamada tanto pelo público como pelo Congresso dos EUA a se explicar e fazer mudanças na maneira como lida com notícias e desinformação. Em resposta, a empresa anunciou mudanças em seu algoritmo do News Feed, que um porta-voz disse que reduziria a prioridade de notícias e conteúdos de marcas. A empresa também apresentou mudanças nas regras para compartilhar notícias e publicidade na plataforma, especialmente 1) como as fontes de notícias são avaliadas em termos de confiabilidade e 2) como a propaganda política é policiada.
iv. Notícias e confiança
No início de 2017, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, disse que a empresa passaria a classificar os publishers de acordo com a percepção de “confiabilidade” dos sites. Depois, em um evento com desenvolvedores do Facebook, Zuckerberg falou sobre o impacto inicial que essa mudança no algoritmo estava causando no modo como os itens eram exibidos no News Feed da plataforma:
“O Facebook reuniu dados sobre como os consumidores veem as marcas jornalísticas, perguntando a eles se conheciam várias publicações e se confiavam nelas. Colocamos esses dados no sistema, e ele age funciona como um estímulo ou uma supressão, e vamos avaliar a intensidade disso ao longo do tempo. Acho que temos uma responsabilidade em reduzir ainda mais a polarização e encontrar uma área em comum”.
A revista Wired observou, porém, que o os termos empregados na pesquisa (que foi publicada na íntegra pelo BuzzFeed) para definir o ranking de “confiabilidade” não reconhecem a complexidade e as múltiplas definições de “confiança”, especialmente em termos de utilidade política:
“Não apenas as pessoas não confiam muito na mídia de modo geral, mas seu nível de confiança decorre previsivelmente da orientação política de cada pessoa. Usando dados de uma pesquisa realizada na Universidade de Michigan, um estudo publicado em 2010 pelo jornal acadêmico American Behavioral Scientist afirma que três elementos indicam se alguém vai confiar numa publicação jornalística: o grau de inclinação para a a esquerda no espectro político; se a pessoa tende a ser confiante de modo geral; e se a economia está indo bem.”
De modo similar, um estudo do Pew de maio de 2017 revelou uma grande divergência em confiança nas notícias, dependendo da afiliação partidária (figuras 9 e 10)
Figura 9
Figure 10
v. Anúncio político ou notícia política?
Outro ponto da reação do Facebook diante da indignação pública contra as operações de informação na plataforma foi a implementação de novas políticas sobre como os anúncios políticos são comprados e classificados. Isso inclui normas mais rígidas sobre quem pode comprar um anúncio político, rotular cada anúncio político com o nome da pessoa que comprou e criar um arquivo de busca público com esses anúncios. O site ProPublica informa que “o Facebook está apostando que uma combinação de revelação voluntária e revisão por pessoas e sistemas automatizados pode encerrar uma vulnerabilidade que foi explorada por agentes russos na eleição de 2016”. Essa política, porém, cria novas complicações no relacionamento entre o Facebook e os publishers de notícias. Um repórter do New York Times cobriu um painel promovido pelo Tow Center for Digital Journalism, que incluiu o CEO do Times, Mark Thompson, e o diretor de parcerias com o jornalismo do Facebook, Campbell Brown:
“Os publishers protestaram veemente contra serem incluídos no mesmo arquivo que os anúncios políticos. Neste mês, organizações representando mais de 20.000 publishers nos Estados Unidos escreveram ao Facebook para contestar essa política, e alguns outlets, como a New York Media e o Financial Times, ameaçaram suspender as promoções pagas no Facebook se essa política não for alterada. O Facebook concordou em criar uma distinção entre o conteúdo dos publishers e os anúncios políticos, mas ainda não criou um arquivo separado”.
Essa política é claramente severa em seu impacto sobre os publishers locais, que dizem não ter os recursos para superar as regras agora em vigor para não entrar em uma lista negra. O Digiday reportou:
“Ao tentar combater a difusão de notícias falsas e outras desinformações antes das eleições de 2018, o Facebook está criando barreiras para organizações jornalísticas legítimas que querem apresentar suas reportagens para um público maior”. Um publisher local disse que o Facebook bloqueou uma matéria sobre uma feira na cidade, porque o texto mencionava o nome de um político, mesmo que o político não estivesse concorrendo à reeleição”
Vemos aqui um retorno surreal aos tempos da imprensa comercial pré-moderna, onde os primeiros jornais publicavam apenas cobertura política patrocinada pelos partidos locais. Novamente, a história mostra que questões políticas, econômicas e tecnológicas estão irreversivelmente misturadas.
Anúncios na busca
Vamos considerar o outro lado do duopólio, o Google – o site de buscas mais popular do mundo. Segundo o Statista, em julho de 2018 o Google concentrava 63% das buscas feitas em desktop e 94% das buscas em aparelhos móveis, chegando a 12 bilhões de buscas diárias.
i. Targeting por intenção
Uma anedota clássica da indústria de marketing é que ninguém presta atenção em um anúncio antes de entrar no mercado procurando por aquele produto. Uma maneira de capturar a atenção das pessoas quando elas estão no mercado procurando um produto é direcionar anúncios enquanto elas buscam informações sobre aquele produto. Isso torna a publicidade nos sites de busca uma ferramenta muito valiosa para os publicitários.
Existem dois tipos de listas nos sites de buscas, e uma delas é de anúncios. “Busca paga” é quando um site aparece no topo dos resultados de busca porque um anunciante pagou ao site de buscas por aquela posição. A outra, “busca orgânica”, é quando o algoritmo do site de buscas determina que aquele website é o melhor resultado para a busca realizada pelo usuário (figura 11, onde as buscas pagas estão destacadas em vermelho e os resultados orgânicos estão em azul)
Figura 11
Almejar os consumidores que estão no meio de uma busca por um produto é chamado de “targeting to intent” (targeting de intenção) e ocorre em um ponto lucrativo do que é conhecida como “jornada de decisão do consumidor”. A jornada de decisão do consumidor é o processo pelo qual os consumidores consideram uma compra, pesquisam essa compra, compram o produto e depois usufruem desse produto. Para ilustrar o valor desse spot, vamos considerar uma estatística: em 2014, 13 dos 20 spots mais valiosos no Google Search (leiloados programaticamente por meio do Google AdWords) incluíam o termo “mesotelioma”, porque a doença é buscada no Google por pessoas que são potenciais clientes em lucrativos processos coletivos (figura 13)
Most Expensive Paid Search Keywords by Average Cost Per Click (Source: AdGooRoo) | |
U.S. Google Desktop Text Ads, Jan-Dec 2014 | |
Cost Per Click | Keyword |
$319.34 | Mesothelioma attorneys |
$312.49 | Buying structured settlement annuities |
$291.93 | Alabama mesothelioma attorney |
$247.64 | Hawaii mesothehioma attorney |
$231.35 | mesothelioma attorneys California |
$230.04 | Structured settlement industry |
$229.33 | National structured settlement trade association |
$226.43 | Cash structured settlements |
$221.25 | Virginia mesothelioma attorney |
$211.01 | Mesothelioma claim |
$206.13 | Mesothelioma attorney washington |
$206.04 | Virginia mesothelioma lawyers |
$203.54 | Virginia mesothelioma lawyer |
$200.21 | Maryland mesothelioma lawyer |
$196.65 | a mesothelioma |
$189.78 | Selling structured settlements |
$189.53 | Nevada mesothelioma attorney |
$188.76 | Wisconsin mesothelioma attorney |
$187.00 | Structured settlement annuities |
Figura 13
Notavelmente, os click-through rates desses anúncios são muito elevados. Enquanto a média dos anúncios gera menos de 1% de CRT, esses anúncios na busca têm índices que variam entre 3.08% e 7,79%.
As práticas publicitárias do Google estão sob investigação pelos legisladores. Em 2017, um tribunal da União Europeia acusou a empresa de violar as regras anti-truste, modificando seu algoritmo para colocar seus próprios serviços e parceiros no topo dos resultados orgânicos de busca – uma acusação contestada pelo Google, citando falta de prova por parte dos regulamentadores.
ii. Notícias na busca
Com a personalização digital se tornando cada vez mais sofisticada, alguns críticos mostram preocupação com o consumo de notícias ocorrer prioritariamente dentro de uma “bolha de filtros”. O termo “filter bubble”, cunhado pelo cientista Eli Pariser em um livro com o mesmo nome, significa um estado de isolamento informacional onde os serviços digitais como sites de buscas e redes sociais recortam as recomendações de conteúdos por meio de algoritmos, baseados no histórico de consumo do usuário. Isso faz com o usuário veja informações que se encaixem apenas dentro de suas visões anteriores. Pesquisas mais recentes, porém, contestam a afirmação de que o Google é um veículo de bolhas de filtragem de notícias: testes empíricos mostram que entre usuários de esquerda e de direta, as recomendações de notícias do Google são praticamente idênticas.
Ainda assim, já que a onipresença das ferramentas computacionais permite que empresas explorem uma integração ainda maior com indústrias paralelas, os jornalistas ficam com a tarefa de entender como essa movimentação vai afetar o mercado e a regulamentação do consumo de notícias e informações.
CONCLUSÃO
Sem a publicidade, não teríamos visto o surgimento da cobertura jornalística independente, livre das amarras do patrocínio político. Os modelos baseados em assinaturas asseguram que apenas pessoas com dinheiro terão acesso às notícias; a publicidade torna as informações disponíveis para todos. E sem publicidade, dificilmente a internet teria crescido tão rapidamente e atendido tantas pessoas ao redor do mundo. Mesmo assim, essas infraestruturas criaram desafios imprevistos para a produção e distribuição de notícias. O investidor de tecnologia John Battelle, escrevendo sobre os danos causados pela publicidade digital, citou o autor Steven Johnson (que por sua vez estava citando Thomas Schelling, ganhador do Nobel): “Uma coisa que ninguém consegue fazer, não importando o rigor de sua capacidade analítica ou de sua imaginação, é uma lista de coisas que não vão acontecer com ele”.
É aqui que entram os jornalistas. Os jornalistas precisam ser mais rigorosos em sua compreensão e em sua curiosidade sobre o ecossistema sócio-técnico e a economia política da publicidade. Isso não apenas porque seu trabalho é distribuído por meio desse desse sistema, mas também porque como cidadãos de uma república democrática capitalista, precisamos de uma cobertura jornalística séria das complexas relações entre representantes eleitos, as infraestruturas de informação e distribuição que confiamos e as informações apresentadas a nós pelos publishers jornalísticos.
LEITURAS RECOMENDADAS
- The Daily You: How the New Advertising Industry Is Defining Your Identity and Your Worth by Joseph Turow (Yale University Press, 2013)
- Weaponizing the Digital Influence Machine: The Political Perils of Online Ad Tech, by Anthony Nadler, Matthew Crain, and Joan Donovan (Data & Society, 2018)
- The Attention Merchants: The Epic Scramble to Get Inside Our Heads by Tim Wu (Vintage, 2017)
- “Digital Marketing Strategy, Course Overview Note,” Harvard Business School, by Thales Teixeira (Harvard Business School, 2013)
- Frenemies: The Epic Disruption of the Ad Business (and Everything Else) by Ken Auletta (Penguin, 2018)
- Discovering the News: A Social History of American Newspapers by Michael Schudson (Basic Books, 1981)
- “Friend and Foe: The Platform Press at the Heart of Journalism,” Tow Center for Digital Journalism report
- Weapons of Math Destruction: How Big Data Increases Inequality and Threatens Democracy by Cathy O’Neil (Broadway Books 2016)
- “Grappling with the Weirdness of Advertising” Data & Society Points blog post by Caroline Jack (Data & Society Points Blog)
O TEXTO ORIGINAL DESTE GUIA, COM LINKS E NOTAS DE RODAPÉ, PODE VER SER VISTO AQUI:
https://www.cjr.org/tow_center_reports/the-guide-to-advertising-technology.php/#citations
(Tradução e edição: Sergio Kulpas)