
A democracia depende de uma esfera pública viva — um espaço onde argumentos se confrontam, consensos se constroem e decisões coletivas podem emergir. No entanto, esse espaço está em colapso. As plataformas digitais, que se apresentaram como promessas de liberdade e participação, deslocaram a mediação pública para arquiteturas algorítmicas opacas, baseadas em vigilância, engajamento emocional e polarização.
Jürgen Habermas já havia alertado, no século passado, para o esvaziamento progressivo da esfera pública. O que vemos hoje é um salto nessa direção, com consequências ainda mais radicais. A fragmentação do debate público, a erosão do jornalismo como mediador social e a captura da atenção coletiva por grandes plataformas nos colocam diante de um impasse histórico. A questão, agora, não é apenas proteger o que resta da esfera pública — é reimaginá-la sob novas condições.
Um percurso que começa no jornalismo
Minha trajetória profissional começou no Jornal da Tarde, onde atuei como repórter, editor e secretário de redação. Depois, na Agência Estado, liderei a reestruturação que resultou na criação da Broadcast, uma plataforma pioneira de informação em tempo real voltada ao mercado financeiro. Já naquele momento, víamos que o jornalismo precisaria se reinventar diante da digitalização da informação e do surgimento da internet comercial.
A partir dos anos 2000, deixei as redações para me dedicar à criação de plataformas digitais e redes de conhecimento. Fundei o Instituto Peabirus, quando o Orkut ainda engatinhava, com a proposta de desenvolver ambientes colaborativos para pequenos negócios, profissionais liberais e iniciativas locais. Dali vieram projetos como o TEIA – Tecnologia, Empreendedorismo e Inovação Aplicada, realizado em parceria com o Governo de Minas Gerais e com apoio do Google, e experiências de redes digitais aplicadas ao cotidiano de cooperativas, comunidades e territórios.
Mais adiante, desenvolvemos uma rede de relacionamento para a torcida do Corinthians, antes que as redes sociais massivas consolidassem sua hegemonia. E também projetos com o setor agropecuário e o Sebrae, voltados a fortalecer ecossistemas de produção, articulação e inteligência territorial. Cada uma dessas experiências foi um passo na direção de pensar a internet não como meio de distribuição, mas como infraestrutura pública de articulação social.
As Páginas Temáticas como proposta de reconstrução
É desse percurso que nasce o projeto Páginas Temáticas — não como mais uma iniciativa de conteúdo, mas como uma proposta institucional de reorganização do espaço público no ambiente digital. Não se trata de um novo site, nem de uma vertical editorial tradicional. Trata-se de uma estrutura curatorial distribuída, ancorada em temas de interesse coletivo, capaz de articular redes sociais e epistêmicas em torno de problemas públicos complexos.
Enquanto as redes sociais operam na lógica da fragmentação, do tempo real e da viralização, as Páginas Temáticas propõem o oposto: continuidade, memória, contexto. Elas resgatam o papel do jornalismo como mediador — não como porta-voz verticalizado, mas como articulador horizontal de conhecimento, experiência e prática social.
Nesse modelo, o centro não é a empresa, o autor ou a audiência, mas a pauta pública em sua complexidade viva. Cada Página Temática se estrutura como um radar e uma âncora: ouve, organiza, conecta e dá forma à multiplicidade de vozes dispersas, sem apagar suas diferenças. É um espaço de curadoria coletiva, com participação ativa de jornalistas, universidades, ONGs, coletivos locais e tecnologias de escuta e organização do conhecimento.
Uma nova mediação para uma nova topologia
A proposta parte do reconhecimento de que a esfera pública hoje é profundamente distribuída. Já não estamos mais num ecossistema de centros e periferias informacionais, mas num tecido em rede, onde as bordas têm potência. Nesse sentido, Páginas Temáticas não são uma tentativa nostálgica de restaurar o passado, mas uma aposta em estruturas de mediação descentralizadas e de novo tipo — capazes de enfrentar a lógica concentradora das plataformas, mas usando a própria lógica das redes para isso.
É uma mediação feita em camadas: com ferramentas tecnológicas de curadoria; com escuta ativa de comunidades; com inteligência editorial; com vínculos reais com instituições de conhecimento e ação pública. O que está em jogo não é apenas produzir informação, mas reconstruir infraestruturas de entendimento — espaços onde visões se confrontam, dados são organizados e decisões coletivas podem se formar de maneira mais qualificada.
Da crise à proposta: uma arquitetura institucional emergente
Habermas dizia que, para compreender a sociedade moderna, é preciso partir da análise crítica da esfera pública como categoria central. A proposta das Páginas Temáticas responde a esse imperativo. Ela nasce da constatação do colapso da mediação tradicional, mas não se rende ao ruído. Pelo contrário: tenta extrair sentido dele.
Em vez de multiplicar caminhos e discursos de forma caótica, o projeto propõe organizar convergências. Restituir à sociedade uma infraestrutura pública de debate, articulação e decisão. Em lugar da centralização das big techs, uma ecologia de conexões com base pública, cooperativa e editorialmente estruturada.
É esse o projeto que passo agora a apresentar — aqui, no meu próprio blog, antes de qualquer divulgação institucional. Porque ele precisa nascer em rede. E porque acredito que só será possível reconstruir a esfera pública se, antes de tudo, começarmos a habitá-la de novo.
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