A história de uma derrota

A história de uma derrota

 
A articulação do movimento ambientalista brasileiro, a criação da fundação sos mata atlântica, a crise dos jornais, o nascimento e os primeiros passos da internet e da rede, a sociedade industrial e a era do conhecimento são os temas deste depoimento dado em 2004 para o BIOCLIMA em função das comemorações dos 18 anos da SOS Mata Atlântica. A rede é o caminho da solução para a questão ambiental.

“A nossa geração – tenho 50 anos de idade – por mais que você trabalhe intensamente com computador e as tecnologias digitais – tem limitações de entendimento, compreensão das possibilidades da rede. Não nascemos com ela implantada e amadurecida. Ela não está no nosso cortex, não é uma extensão da nossa inteligência. As gerações futuras não, isso vai estar imbuído dentro da inteligência do indivíduo, da sua capacidade de articulação e expressão. O que a rede exponencia é justamente isso, a articulação, a forma de se expressar, de se comunicar. No futuro, as redes vão se auto criar. Serão processos quase autônomos.”

Projeto: SOS Mata Atlântica 18 Anos

Depoimento de: Rodrigo Lara Mesquita

Entrevistado por: Beth Quintino e Rodrigo Godoy

Local: São Paulo, 20 de dezembro de 2004

Realização: Museu da Pessoa

Transcrito por: Denise Boschetti

Copydescado por: Rodrigo Mesq

P/1- Bom dia, Rodrigo Mesquita. Eu queria te agradecer por ter vindo dar o seu depoimento e gostaria que você começasse falando seu nome, data e local de nascimento.

R- Bom dia. Meu nome é Rodrigo Lara Mesquita. Nasci em 9 de março de 1954, em São Paulo.

P/1- Rodrigo, e seus pais, são de São Paulo?

R- Ruy Mesquita e Laura Lara Mesquita, também nascidos em São Paulo.

P/1- A sua formação?

R- Estudei História na USP.

P/1- Você veio de uma família ligada à imprensa, jornalismo?

R- Isso.

P/1- O seu pai, qual a formação dele?

R- Meu pai fez Filosofia e Direito, mas não se formou em nenhuma das duas

P/1- E você nasceu em São Paulo. E você morava onde na sua infância?

R- Morei no Pacaembu a vida inteira, até casar.

P/1- E como era na sua infância a região Pacaembu?

R- A primeira rua que eu morei foi a Itapitangüi, que fica ali numa ilha, até hoje privilegiada do Pacaembu. Era uma rua que ainda tinha terreno baldio e onde ainda era possível você ter turma de rua.

Nós tínhamos turma de rua, que tinha gente de classe média como a gente e tinha também menino de rua. Enfim, uma vida ainda de brincar em terreno baldio, um monte de primos meus moravam muito perto da gente. Eu tenho uma lembrança muito prazerosa da minha relação com a cidade quando era menino.

P/1- Você tem irmãos?

R- Tenho três irmãos.

P/1- E eram todos da mesma faixa etária?

R- Eu tenho 50. Um irmão de 49, um de 51 e um outro de 53.

P/1- E como era essa relação em casa, essa vida familiar?

R- Desde o início uma relação muito forte com o país, com responsabilidade cívica, com participação. Muita história do início da República, tudo muito relacionado com o jornal O Estado de S Paulo. Uma educação liberal e aberta.

Júlio Mesquita e o seu conceito de redes sociais, no início do século

P/1- Até por conta do Estado de São Paulo, ligado à imprensa, vocês tiveram uma educação privilegiada de informações? Como era isso em casa?

R- As grandes questões brasileiras estavam no nosso almoço e jantar, e em todos os encontros familiares também, que tinha sempre a presença do meu avô, todos os meus tios trabalhavam no jornal. Enfim, o processo político, econômico e social do país é presente desde que nós nascemos. A frase que eu mais lembro do meu pai, na minha infância, é que nós tínhamos uma dívida com a sociedade e por mais que nós fizéssemos, nunca íamos pagar completamente essa dívida.

P/1- E numa família ligada a esse tipo de informação, ao jornalismo, você acabou indo fazer história e não foi pro Jornalismo.

R- Sou jorjnalista, um profissional de informação e comunicação – hoje muito voltado para interação com e do público através da internet, da rede. Trabalho com o que chamamos hoje de redes de colaboração, conhecimento e negócios, vivo no meio.

Acho uma bobagem você fazer faculdade de jornalismo; o que pode lhe ensinar uma faculdade de jornalismo? A escrever, a fazer lead, a como ser repórter? Acho que para tudo na vida, você precisa ter uma base de conhecimento.

Essa lei que obriga cursar uma faculdade de jornalismo para poder exercer a profissão é anterior à minha formação. Sou jornalista comissionado. Minha carteira de trabalho é de jornalista.

Historicamente, o jornal privilegiava gente formada em Filosofia, Sociologia, História, Economia, Direito. Um bom repórter é um sujeito que tem gana de querer saber as coisas, aprender, fazer perguntas boas, fazer as perguntas certas.

Fui fazer História pensando em ser jornalista. Acho que um país, para ter um compromisso com ele próprio, precisa ter um entendimento muito forte do seu passado e do seu presente. A cidadania começa com isso, senão você não tem futuro. E de certa forma o jornalismo é a História do dia a dia, o primeiro registro. Acho que tinha tudo a ver fazer História com o objetivo de ser jornalista.

P/1- E como que foi nessa época, que você estava na USP fazendo História? Como que era esse período?

R- Foi um período também divertido. Entrei na faculdade em meados dos anos 70. Não peguei os anos mais tensos, já havia um processo de abertura do governo militar.

A História era uma Faculdade bastante ideologizada. Tinha uma boa relação com todas as tendências ideológicas da faculdade. Nunca me considerei um sujeito ideológico; tento entender o contexto no qual estou inserido e procuro ter uma noção de para onde está indo e quais são as variantes possíveis. Mas nunca me senti militante, nem da área ambiental. Sempre fui uma pessoa que tentei procurar entender o meu entorno para poder me posicionar em relação ao futuro – e sou um pouco pessimista em relação ao processo histórico.

O grande teórico, para mim, é o Fernand Braudel, um historiador francês, que esteve no grupo fundador da USP e depois, quando morreu com mais de 90 anos, nos anos 80,  também tinha neste final da vida uma visão pessimista.

Lembro-me de uma entrevista dele falando sobre progresso, no final da vida. Ele falava que se você considerar progresso conquistas materiais e manter vivo um número maior de pessoas, a história da humanidade foi sempre avançando nesse sentido, do ano zero até hoje. Agora, se você considerar progresso momentos de criação, de desenvolvimento, de felicidade e bem estar, teve alguns lapsos de progresso; o processo é ciclotímico, não é evolutivo em termos positivos para Braudel.

P/1- Essa sua trajetória, a faculdade, a USP, quando que você começa trabalhar no jornal?

R- Estava já há dois anos na faculdade, foi no ano de 1977. Começo trabalhar no jornal como separador de telegramas; era terceiro filho, toda empresa é um bicho conservador, na S/A “O Estado de São Paulo”, tinha na minha geração quatro primogênitos. Entrei lá com o objetivo de ser jornalista e ponto.

Meu plano de vôo era ficar sete a dez anos dentro de uma redação, participar de todos os processos – repórter, copidescagem, edição, trabalhar em diversas editorias – e a partir de sete, oito, dez anos,  me colocar como repórter especial. Meu sonho de infância era ser o cronista dos confins, considerando que os confins podem estar numa esquina de São Paulo ou num cantão da Amazônia, ou no Oriente Médio, no Alaska, o que seja. Era esse o meu plano de vôo.

Por uma série de circunstancias no meu processo de vida rpofissional, acabei – depois de 12 anos trabalhando na redação e estando com uma carreira de jornalista ascendente e despontando para o público – abandonando a carreira de jornalista para empreender dentro da S/A “O Estado de S  Paulo”.

Os jornais, as empresas jornalísticas, o apogeu delas ocorreu entre o final do século XIX e a Segunda Guerra Mundial. A partir da Segunda Guerra Mundial,  começa uma crise, que vem se acirrando nos últimos anos, onde há uma evasão de publicidade, portanto de receita e de leitores. Os jornais deixam de crescer proporcionalmente às comunidades que eles estavam inseridos e começam a ter evasão de receitas. E a nossa empresa, em função da sua própria história, acabou valorizando mais o seu lado institucional do que seu lado empresarial.

Eu já estava há 12 anos na redação, assistindo e convivendo com diversas crises financeiras da empresa. Considerei que se nenhum Mesquita fosse empreender, ninguém iria empreender e nós íamos acabar, não íamos nunca sair dessas crises recorrentes da empresa. Voltei-me pra telecomunicações e computação. Fui pra Agência Estado, que era uma unidade operacional do grupo e tinha uma receita negativa de 400 mil reais. Comecei o que chamo o Projeto Agência Estado.

Hoje, a Agência é uma empresa que trabalha voltada para mercados profissionais, tem um expressivo faturamento e uma expressiva lucratividade, além de um potencial de crescimento ainda bastante grande, nesse mundo de redes.

Quando comecei o projeto, não tinha Internet – falar em rede era uma coisa bastante relativa. A primeira rede de distribuição da Agência Estado era baseada numa tecnologia de FM. Você usava a sub-banda de FM, de uma rádio qualquer, para distribuir informação  numa área restrita de forma broadcast. E isso foi uma grande inovação em relação à antiga rede de telex que tínhamos na Agência.

Quando comecei o projeto Agência Estado,  nosso foco era o mercado financeiro, não era a área ambiental. O motivo de  ter me voltado para o mercado financeiro foi que, naquela época, era o único que estava aparelhado para consumir a informação recebida através de telecomunicações e para ser processada em computador e que poderia sustentar um negócio de informação.

O objetivo era aprender a trabalhar com telecomunicações e as tecnologias digitais e o que está em torno delas, neste mercado. Foi o que  fiz. No futuro este aprendizado poderia ajudar os jornais a achar um novo caminho para os classificados.

P/1- Rodrigo, voltando um pouquinho, porque eu achei curioso como você começou na Agência… Sendo um Mesquita, entrando no jornal pra separar telegramas, como que foi isso?

R- Foi uma coisa premeditada minha. Como estava dizendo, na minha geração, a empresa tem seis famílias acionistas; você tinha quatro primogênitos, que desde a nossa adolescência disputavam a posição primeira da empresa. O meu objetivo era ser um jornalista profissional e achei que deveria entrar pelo ‘bê-a-ba’, que era separação de telegrama, quem fazia isso eram os contínuos.

Então fiquei um ano e meio de chefe dos contínuo. Na época você recebia todas as informações por telegrama, era também uma posição estratégica porque você fazia a primeira divisão para cada uma das editorias do jornal. Isso lhe dava uma noção muito apurada do fluxo de informação de cada uma das editorias, que evidentemente é variável – você tem momentos que está com a crise na editoria internacional; no outro na de economia, no outro na geral, cidade. Mas existe um fluxo que, apesar das crises, se mantém.

É também um ponto de observação da redação e do comportamento dos profissionais. Quer dizer, como eu tinha o sobrenome Mesquita, na hora que  botei o pé na redação, era visto como filho do Ruy Mesquita, neto do Julio Mesquita Filho e bisneto do Júlio Mesquita, não como Rodrigo. Também era, como já disse, um bom ponto pra entender o comportamento da corporação de profissionais que eu estava entrando, quais eram as regras – que toda corporação de profissionais tem a sua regra, tem a sua ética – quais eram as regras, qual era a ética, pra ir me inserindo paulatinamente e ser visto e aceito como um profissional qualquer.

Fiz bem a minha lição de casa… (risos) Fui visto e entendido como profissional; depois desse período de um ano, um ano e pouco na separação de telegramas, comecei a trabalhar como copydesk da editoria internacional. O Jornal da Tarde usava muito a copidescagem  para construção de matérias. De matérias elaboradas, não era simplesmente  pentear os telegramas das agências internacionais, como de uma forma geral se faz hoje. Depois, trabalhei como repórter, trabalhei como sub-editor, trabalhei como editor, trabalhei em quatro, cinco seções do jornal, fiz coberturas internacionais, cobertura de guerra e fiz também coberturas aqui em problemas de ocupação de terras.

Na época eu estava com 20 e poucos anos. O Sul da Amazônia estava no início do processo de ocupação. O litoral norte de São Paulo e todo o litoral Sul também estava nesta situação. A pressão de ocupação começou no final dos anos 70 com a construção da BR-101. Até os anos 70 o litoral Norte de São Paulo era habitado pelas comunidades tradicionais, que foram expulsas depois com o processo da BR-101.

Então em termos de vida profissional foi este início o meu no Jornal da Tarde. Foi a época mais divertida da minha vida, os quatro, cinco primeiros anos. O Jornal da Tarde era um laboratório, uma redação muito livre, muito inteligente, muito viva. Consolidei o meu aprendizado profissional em formação de jornalista, ali, com aquela redação.

P/1- O seu envolvimento com as causas ambientais é anterior a essa sua fase de matérias de ocupação ou vem depois?

R- O meu interesse pela questão ambiental veio quase que por herança – ou é atávico. Meu pai gostava de pescar e tinha uma casa em Cubatão de Cananéia , que na época era uma vila de caiçaras. A nosa casa era a única de gente de fora.

Conheci essa região do Lagamar de Iguape, Cananéia, Paranaguá, totalmente virgem. Talvez ali em Cananéia tivesse gente que tinha motor de popa, mas em Cubatão de Cananéia o nosso era o único motor de popa que existia; conheci esse complexo ainda com todo o seu potencial de criadouro, sem estar depredado pela pressão da sociedade contemporânea.

Depois disso meu pai comprou um barco, que ele usava muito. Passei dos meus 11 anos aos 18 descendo todo o fim de semana para o  Guarujá, na sexta-feira, e saindo, indo para os Alcatrazes,  para Queimada, para as ilhas, o Montão de Trigo, a Lage de Santos ou para Ilha Bela, indo para o mar com este barco. Quando tinha feriado, a gente fazia viagens mais longas, no verão íamos para o Rio, para os Abrolhos no Sul da Bahia; enfim, conheci esse litoral ainda não atacado.

Tive uma relação muito forte, durante todo esse período, com as comunidades caiçaras dessas regiões, principalmente  na região de Cananéia, Iguape e Paranaguá. Mas também em Ilha Bela, nas praias do Litoral Norte, também em Angra dos Reis. E depois comecei a assistir a depredação.

Agora, O Estado sempre teve uma preocupação muito forte com a questão ambiental. Meu avô, em reportagens no início do século passado,  começou trabalhando no jornal fazendo uma matéria sobre a necessidade de São Paulo ter Hortos Florestais em função da pressão que estava tendo sobre as florestas paulistas por causa das ferrovias e o processo de ocupação do Estado – mas inicialmente eram as ferrovias.

Há uma série de matérias dele que vim a descobrir quando já estava trabalhando no jornal. Um exemplo desta preocupação do jornal é o Parque da Ilha do Cardoso, no começo Parque Estadual, que foi criadol em função de uma campanha d de O Estado nos anos 60.

Então é uma questão de racionalidade. Não foi em consequência da causa ambiental. Quando fui trabalhar com reportagem, pensei: “Com o sobrenome Mesquita, filho do Ruy Mesquita, não vou poder ser repórter econômico, repórter político; se  for falar com uma fonte importante na área de economia ou de política, ele não estará falando comigo, estará falando com o Ruy Mesquita, falando com o jornal”.

Em função disso resolvi trabalhar com micros e pequenas empresas – fiz uma série de reportagens antológicas sobre PMEs sob o título Os guerrilheiros da prosperidade nacional – e com questões de ocupação de terra, cujos problemas se acentuavam na época. O meio ambiente, neste contexto, foi decorrência.

Os militares tinham a preocupação com o que consideravam a consilidação do Estado Nacional. Por isso,  financiaram a Globo, o império da Globo, com o nosso dinheiro. Financiarama a infraestrutura da rede da TV em nome da unidade nacional.

Eu entrei nas questões de ocupação de terra.  E em relação à Cananéia, meu pai vendeu a casa quando comprou o barco; e eu gostava muito de lá e uma vez por ano levava um motor de popa, arrumava uma canoa de alumínio, punha 300 litros de gasolina e descia em direção ao Paraná. E ficava na casa de algum caiçara, em alguma vila. Acabei me fixando na casa do Acir. Esse senhor Acir morava na Baia dos Pinheiros, que é uma sub-bacia da Baia de Paranaguá.

A casa do seu Acir, no fundo baía dos Pinheiros

A casa dele ficava no fundo da baia, na foz do Rio Real, que era um rio importante da Ilha de Superagüi, um dos rios mais importantes da Ilha de Superagüi. Morava numa casa de pau roliço, protegida do vento sul por um morro. Acabei ficando amigo dele. E passava 15 a 20 dias por ano na casa dele, até que fui estudar em Paris.

Era para fazer um mestrado, mas acabei ficando como ouvinte, um ano e meio do curso de Ecodesenvolvimento na École des Hautes Études. Quando voltei, na primeira oportunidade que  tive, desci para Cananéia e fui para a casa do seu Acir. Era uma viagem longa: atravessava a baía da Trapandé, pegava o canal do Ararapira e, depois, o canal do Varadorouro.

Quando atravessei a fronteira de São Paulo, começo a encontrar placas de uma companhia, da Companhia Agropastoril Litorânea do Paraná – Capela – dizendo que tudo aquilo era propriedade dela. Tanto as ilhas – você ali tem a Ilha do Superagüi, depois a ilha das Peças e, depois do outro lado da ilha das Peças, a ilha do Mel e a cidade de Paranaguá – quanto o continente. A baía de Paranaguá começa na ilha de Superagüi, que forma a sub baía dos Pinheiros, onde Hans Staden chegou na sua primeira viagem, por volta de 1570, e descreve esta chegada  nesta baía, numa noite de tempestade em seu livro.

A Capela tinha grilado também a área do continente. Cheguei à casa do Acir e ele estava desesperado. Um povo estranho tinha chegado fazia quase um ano se dizendo proprietários, tinham trazido gente, estavam fazendo desmatamento. E eu, nessas duas semanas  de férias ali na casa dele, fui levantar o que estava acontecendo e vi que era um grilo claro.

Voltei para São Paulo e peguei esse assunto para trabalhar jornalisticamente. Acionei a nossa sucursal em Curitiba, que era dirigida na época pelo Dirceu Pio, um jornalista de primeiro time, e onde estava começando o Laurentino Gomes, que hoje virou escritor de renome. E começamos a levantar esse quadro.

Foi mais de um ano esse trabalho, com dezenas de matérias que publicamos no jornal. E acabamos conseguindo levantar a documentação que esta empresa tinha, que era alguma coisa que rolou na Câmara de Guaraqueçaba, município no fundo da Baía de Paranaguá, em 1948. Os documentos da ata da Câmara estavam rasurados. A documentação deles falava numa suposta doação justamente na data das atas rasuradas.

Conseguimos levantar todo o contexto mostrando que era um grilo. Esse grupo era um grupo importante, era o Grupo Asamar, um grupo mineiro, cuja origem era siderurgia, mas que atuava em Minas, atuava em São Paulo, atuava no Rio e atuava em Curitiba. Tinham diversas coisas além da siderurgia – revendedora de automóvel, coisas de turismo e por aí. Lá, eles estavam  retirando madeira para fazer carvão e tinham um projeto turístico. Tinham cercado as últimas comunidades de caiçaras, vilas do litoral de São Paulo e Paraná. Dezenas de vilas.

Fui a cada uma das vilas conversar com as lideranças delas e estava todo mundo desesperado. Os caras tinham cercado as vilas com arame farpado, tinham fechado o acesso para as roças que eles tinham de mandioca, e estavam soltando búfalo na área. Foi neste processo de cobertura do que estava acontecendo ali no litoral – o litoral do Paraná tem cerca de 90 kms e essa empresa tinha grilado cerca de 60 km dos 90 – que comecei a me envolver com o movimento ambientalista.

Uma região linda: a praia de Superagüi, uma única praia, que se chama Praia Deserta,  tem 30 km; tem a praia da Ilha das Peças, que é a próxima, tem mais praias tanto na frente do mar, quanto para dentro do canal. Os caras tinham grilado essas duas ilhas e tinham grilado o continente – Batuva, no interior, estava com problemas. Uma vilazinha no interior de Guaraqueçaba, na direção de São Paulo. No interior, tinham adulterado os mapas da serra do mar para tirar financiamento do IBDF, o antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal.

Foi no processo de levantamento desta situação – o Jornal da Tarde já tinha se envolvido com a questão da usina atômica ali atrás de Iguape, na Juréia, e com o Aeroporto de São Paulo em Caucaia – que me envolvi com as pessoas que viriam a fundar a SOS Mata Atlântica: o José Pedro de Oliveira Costa, o Roberto Klabin, a Silvia, Adriana Matoso, o Paulo Nogueira Neto, o João Paulo Capobianco, que já eram todos fontes do meu amigo e jornalista Randau Marques, também fundador da fundação.

Começamos a nos articular. Inicialmente a minha relação com esse grupo foi em função do levantamento dessa questão de grilo no Litoral do Paraná. E a determinada altura, alguém no grupo me sugeriu institucionalizarmos esta luta criando uma entidade não governamental em São Paulo para trabalhar em torno dessas questões. Achei interessante, achei interessante institucionalizar aquela articulação que estávamos criando. Achei interessante trabalhar com um grupo que tivesse o mesmo objetivo e que esse objetivo fosse fundamentado também em certo idealismo. E entrei no processo.

P/1- E nesse período que você fala que encontrou algumas pessoas que montaram a SOS, existia outras ONGs nessa época, outras pessoas que estavam em outros grupos?

R- Você tinha a FBCN,  Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, a mais antiga do Brasil, mas andava um pouco parada, algumas entidades locais em Curitiba. Aqui em São Paulo você tinha uma articulação em torno da OIKOS, que foi fundada pelo Randau Marques, pelo Fábio, pelo Roberto Klabin e por um espanhol que  não me lembro o nome. Mas era uma entidade muito local e para ajudar a legitimar um discurso, não tinha  a dimensão do SOS Mata Atlântica nem da pretensão que estava na cabeça das pessoas que formaram o SOS Mata Atlântica, entre eles o Zé Pedro, o Fábio e o Roberto.

P/1- Essas pessoas com quem você começa a conviver, a se relacionar, elas tinham um modelo de ONG de defesa ambiental que vinha de fora ou não?

R- Não, não tinham modelo, tinham a idéia inicial. Houve a tentativa de fazer uma usina atômica ali no litoral sul de São Paulo, na Juréia.

P/2- Juréia.

R- Juréia. Em função da resistência para que a usina não fosse feita ali houve uma articulação, que era a base deste grupo. Você tinha também o João Paulo Capobianco, o Born, o grupo agora não estou me lembrando exatamente o nome deles.

Depois veio a questão do aeroporto de São Paulo, em Caucaia. Logo depois, veio a questão da BR-101, que iria devastar o Lagamar, de Iguape, Cananéia e Paranaguá. Tudo isso, intensificou a articulação, ampliou a articulação. E daí começou uma discussão de que deveríamos procurar ter uma participação ativa no processo político.

Começou assim a Fundação SOS Mata Atlântica. O primeiro artifício foi lançar a candidatura do Fábio Feldmann. Imaginávamos que ele não iria ser eleito, que ele iria ter 40, 50 e poucos mil votos, não ia ser eleito, mas isso ficava como ativo, essa massa de votos ficava como ativo da SOS Mata Atlântica, de gente simpática, para você começar a fazer um cadastro, enfim, você ter massa crítica para poder trabalhar e dar sustentação política. Mas o Fábio acabou sendo eleito,  num ano que teve uma abstenção muito forte.

Se não me engano ele teve 48 mil votos, alguma coisa por aí, e foi eleito. E ele que era para ser o presidente da SOS. Daí a SOS, que ainda era uma entidade só com registro e estatuto, enfim os primeiros passos, ficou órfã.

O meu objetivo era que o Roberto Klabin assumisse a presidência, mas o Roberto não quis – apareceu uma oportunidade para ele assumir a Fundação Florestal, que tinha um orçamento, que tinha uma estrutura, e ele acabou indo pra lá. Daí a SOS sobrou na minha mão. Tive então um alto grau de responsabilidade na estruturação da fundação, mas não fui o único.

No início da SOS, o meu papel era político; estava começando o projeto Agência Estado. Dava de manhã o expediente na SOS e a tarde e a noite no jornal e na Agência. Botei o João Carlos Meirelles Filho, o Clayton Lino e o João Paulo Capobianco como os executivos da SOS. O Capobianco para fazer a relação com o público em geral, o Clayton Lino era o homem de projetos de campo, projetos técnicos e o João Carlos era captação, captação de sócios, captação de recursos.

Mandei o João Carlos para os Estados Unidos, conseguimos uma bolsa nos Estados Unidos, e ele ficou ali seis meses estudando como as entidades americanas se relacionavam com o público para fazer captação de recursos. Ele arrumou uma boca para nós entrarmos com um projeto na Fundação MacArthur e nós entramos com um projeto guarda chuva. Reivindicamos 400 mil dólares de investimento e a Fundação MacArthur deu. Na época foi a maior doação que eles tinham feito para uma entidade não governamental fora dos Estados Unidos.

Antes disso, nós tínhamos lançado a campanha da SOS “Estão tirando o verde da nossa terra”,  que foi uma articulação minha e do João Carlos Meirelles Filho. O João Carlos procurou o pessoal da DPZ e eles criaram a campanha. Articulei com um velho diretor do Estado, que já morreu, o José Homem de Montes, para que essa campanha fosse veiculada em todos os meios de comunicação da franja atlântica do Brasil.

O José Homem de Montes era o presidente da ANJ, a Associação Nacional dos Jornais, ele gostava muito de mim e do meu trabalho, e nos ajudou. E nós conseguimos botar isso em todos os jornais e mesmo na Globo e rádios. Foi uma campanha monstro que lançou o nome da SOS Mata Atlântica lá pra cima.

Foi em seguida a isso que o João Carlos foi para os Estados Unidos, onde ele fez estágio em diversas entidades não governamentais da área ambiental para estudar, acompanhar como era o processo deles de captação e entrou com este projeto. Quer dizer, criou condições para a gente lançar um projeto amplo na Fundação MacArhtur. E assim foi.

P/1- Voltando um pouquinho, quando vocês se formaram, se uniram pra montar a SOS vocês conseguiam imaginar que um dia ela ia ter um peso tão grande?

R- Eu imaginava. Imaginava porque, como editor chefe do jornal, fui um grande articulador de processos. A Judith Cortezão, que também fez parte desse grupo fundador, tinha um grande entendimento disso. Lancei diversas campanhas no jornal voltadas para a questão de pequena e média empresa, voltada para questão do Estado atuando diretamente na economia brasileira. Tinha uma sensibilidade para a articulação de segmentos da sociedade civil.

Naquela época, ninguém falava em sociedade civil; não era uma coisa carne de vaca como é hoje. Era participar de articulação de uma entidade que tinha como função também articular a sociedade civil e ser intermediário da sociedade civil em relação às suas aspirações, às suas preocupações, e o poder público. A entidade era uma alavancadora. Ela tinha uma preocupação em você também conscientizar o empresariado, mas mais do que tudo ela era uma intermediária entre as questões ambientais, o público e o poder público.

Desde o início a SOS, foi  um fator de pressão. Ela também trazia a comunidade acadêmica, que era a base nossa para realizar os projetos, elaborar os projetos de atuação, que no meu modo de ver o objetivo era mais de demonstração do que de fato a entidade realizar coisas; apontar caminhos, mostrar possibilidades. Não é que ela iria administrar a questão de zoneamento, de ocupação do litoral de São Paulo. Até hoje tem o projeto do Atlas da Mata Atlântica, que é um fator de pressão, de regulamentação, de ocupação e zoneamento. Foi um projeto que nasceu dentro do SOS Mata Atlântica e hoje é um instrumento de pressão política importante.

P/1- E vocês imaginavam que ela ia ter o peso que tem?

R- Quando aceitei pegar a presidência da SOS era porque sabia que tinha condições objetivas de dar uma alavancada forte ali. Se quisesse ter me lançado na carreira política naquela época,  teria tido uma carreira política de sucesso, mas não fui. Fui um grande articulador, mas a minha postura foi sempre de retaguarda, de apoio, de suporte. Não queria me caracterizar como militante, porque  era jornalista e achava que não era ético.Não queria ficar marcado exclusivamente como jornalista ambientalista, não era esse o meu objetivo.

Acho que o papel do jornal é esse também; o jornal não deve ser um ditador de regras. O jornal é intermediário do público, quer dizer, ele se legitima na medida que  traz para tona as preocupações legítimas da sociedade em que está inserido e não que ele venha, em cima de qualquer que seja o artifício, com o argumento, de cima pra baixo, dizendo qual o caminho a ser seguido. Então uma entidade não governamental, de certa forma, tem similaridade com o papel de um jornal.

P/1- Pegando ainda esse início de todo esse trabalho, você lembra algumas histórias pitorescas dessa época?

R- Um monte. Nós estávamos falando sobre a questão do grilo, foi quase uma guerra de guerrilhas. O chefe dos capatazes, o chefe da turma dos homens da Capela que estavam no litoral, que eram centenas, era um salvadorneho. Quer dizer, eles trouxeram alguém de um país conflagrado, que vivia em guerra. E eles estavam ali num processo de guerra contra as comunidades caiçaras, que estavam absolutamente desesperadas.

No Ariri, que era a última vila do litoral de São Paulo antes da fronteira, naquela época não tinha luz elétrica. Às oito horas, a vila estava fechada, dormindo. Aí não era o pessoal da Capela, mas grileiros associados que estavam ali no lado de São Paulo e botaram como subprefeito do Ariri um sujeito que se chamava Pedrão, que estava mancomunado com a prefeitura de Cananéia.

Esse Pedrão era foragido por crime de morte de um presídio do Paraná e estava ali aterrorizando a comunidade. Tinha botado na casa dele luz elétrica com motor e botou um som de última geração. Uma noite que eu estava lá com o Laurentino Gomes e uma outra repórter do Estado, às 11 horas da noite, a vila não conseguia dormir por causa do som da casa dele. E nós tomando, ali num boteco com os caiçaras, pinga. Às tantas fui para a casa do sujeito e arrombei a casa. E veio o pretão nu; virei para ele e disse: “Componha-se!” E o cara voltou e botou um calção e veio. Daí, no berro, fiz ele desligar o som sem nenhuma reação.

Ele continuou lá, no Ariri, como subprefeito. Com as provocações ali dentro da vila, envenenando cachorro, criando caso, até que acabou sendo morto por alguém da região, na estrada que vai do Ariri para Cananéia, para Parequera-Açu, que até hoje são 60 Km de estrada de terra. Naquela, transitável algumas épocas do ano; quando chovia muito você ficava ilhado no Ariri.

Depois ali também na articulação das vilas do Lagamar, nas vilas  da Ilha de Superagüi, na Ilha das Peças, do fundo da Baía de Paranaguá, teve uma vez que nós fomos para lá, era umas 30 pessoas, estava a Judith Cortezão, um monte de gente da universidade, nós, e saímos em comissão, passando em vila por vila, tendo reunião com os habitantes das vilas na igreja, articulação enfim… Teve muitas histórias emocionantes.

P/1- E como foi que terminou essa grilagem?

R- Foi quando as matérias começaram a vir a tona. Eles começaram a conter, a coisa começou a ser discutida aqui e ali. Nós conseguimos mostrar que o pessoal que eles levaram para desmatar era gente que tinha sido deslocada de uma represa que foi construída no Paraná, eles foram largados lá, jogados lá sem ter como sair.

São ilhas, ilhas de mangue, e não tinha barco para os caras saírem, se quisessem. Eles estavam em condições de trabalho quase de semi-escravidão. Nós acabamos levando a polícia do Paraná para lá e essa turma saiu toda. A coisa foi indo, levantamos essa rasura da sessão da Câmara de Guaraqueçaba de 1948, que teria dado as terras para eles ou para alguém que teria repassado para eles – o papel original vinha dali – quer dizer, havia montado um quadro, que havia uma pressão, havia uma articulação muito grande para eles saírem.

Os diretores da Capela, costumavam mostrar lá embaixo a fotografia da diretoria deles junto com o Aureliano Chaves, que era vice-presidente do Figueiredo, dizendo que ele era sócio da Companhia. Aí teve uma entrevista do JT. O Aureliano se candidatou à presidência, e um repórter do Jornal da Tarde, o Moacir Japiaçu, ia fazer a entrevista com ele. Peguei essas fotos, tinha conseguido cópias, passei para ele e falei: “no final da entrevista em off você mostra isso, conta o caso e pergunta para ele o que é que ta acontecendo”.

Quando o Japi voltou perguntei a reação. Ele disse que o Aureliano tinha ficado  roxo, azul, de todas as cores. Logo depois, a Capela se retirou da região. O Dr. Paulo Nogueira Neto estava na SEMA criou a APA de Guaraqueçaba, aqui para o lado de São Paulo também foram criadas algumas APAs e outras unidades de proteção, e depois a Ilha do Superagüi foi transformada em Parque.

A Ilha do Cardoso já era parque estadual, você tinha a Vila do Marujá, que é uma vila de caiçaras muito articulada. Durante este processo também tinham se movimentado mais. E o pessoal da Capela se retirou, os títulos de terra foram dados para os habitantes tradicionais. A região toda ficou com um o arcabouço  em termos de unidades de proteção ambiental mais forte que outras áreas do Brasil.

A BR-101, que também deveria passar ali, foi contida, é um trecho que não foi construído. É uma área, ao contrário do litoral norte de São Paulo que você tem uma planície costeira, que são terrenos quaternários, são terrenos mais recentes, de areia, é uma área mais frágil; se você passa cortando uma estrada, como a BR-101 ia abrir para ocupação, aquilo dança de uma vez. Com isso, a região ficou mais preservada do que o Litoral Norte, digo um pouco mais porque em termos do que você tinha ali de ostras, o que você tinha ali de estoques pesqueiros também acabou sendo esgotado.

A questão da ostra, em função de projetos de financiamento, acho que era da Sudepe, tem ali até hoje um criador de ostra no Rio Itapitangui, na baía de Trapandé, em Cananéia. Esse sujeito na realidade  tirou todas as matrizes da região; hoje você tem ostra ali na área dele e no fundo da baía dos Pinheiros, perto da Vila Fátima, o resto acabou. Também a pressão de pesca e parelha nas Barras – ali você tem a Barra Norte de Paranaguá, que é Barra do Superagüi, entre a Ilha das Peças e o Superagüi; depois você tem a Barra do Ararapira; depois você tem a Barra do Trapandé; depois você tem a Barra do Icapara.

Enfim, as parelhas, que ficam passando logo após a rebentação, na boca dessas Barras e na área de reflexo delas, acabaram praticamente esgotando os estoques que você tinha de robalo, de pescada. Mesmo a caranha do Litoral Sul de São Paulo, boa parte vinha se criar ali, bem como algumas variedades de camarão. Enfim, hoje em dia, a produção pesqueira ali das comunidades caiçaras é irrisória se comparada com oque eram há 20, 30 anos atrás. Agora isso não é um problema só dali; é um problema mundial.

De qualquer forma, o trecho entre o Sul da Ilha Comprida e a ilha do Mel, em Paranaguá, é o mais consevado do país, depois das áreas inóspitas  do litoral do Maranhão e dos manguesais do Norte da Amazônia.

A equipe do Jornal da Tarde, em meados dos anos 80

P/1- Ouvindo você falar eu fiquei pensando uma coisa – que se eu tiver enganada, por favor, você me corrija: na década de 70, 80, não se dava tanto destaque pras questões ambientais, tanto na imprensa escrita, quanto televisiva. Vocês chegavam a sofrer pressão, por que normalmente quem estava por traz eram grandes organizações, grandes empresários, governo… como que é essa fase?

R- Nesse caso que eu estava contando da Capela – a Companhia Agropastoril do Litoral do Paraná -, eles procuraram o Jornal, procuraram meu pai. E meu pai, como  faz em qualquer caso semelhante a este, encaminhou para quem estava tocando o processo, e era eu. Marquei a reunião com o diretor da empresa,  logo depois de uma denúncia de trabalho escravo e como consequência a polícia do Paraná tinha tirado o pessoal deles que estava desmatando de lá. Tinha tirado a força, eles queriam ir embora e a empresa não dava condições para eles saírem.

Este diretor veio para a reunião. Tinha deixado um dos líderes do grupo que eles tinham levado para lá numa sala contígua e o sujeito entrou e começou com o discurso de que o que nós estávamos colocando ali era coisa de comunista. Eu falei “Bom, o comunista em questão sou eu. E comunista como? Das coisas que nós publicamos, o que não é verdadeiro?” Ele começou uma argumentação. Eu falei “Bom, eu trouxe aqui um dos líderes do pessoal, que estava lá e tem uma sala preparada para conversarmos gravando”. O sujeito ficou nervoso e foi embora.

A nossa argumentação não era uma argumentação festiva; era e é um grupo bastante articulado e com muito conteúdo. Houve também uma estratégia, e não era só um grupo de ativistas políticos. No processo de criação da SOS houve uma cooptação da área acadêmica, que via com ótimos olhos você de repente ter um grupo articulado da sociedade civil, abraçando essas questões e dando sustentação, sendo um canal de sustentação para o trabalho deles também.

Tinha o meu nome, tinha o nome do Roberto Klabin, tinha o nome do Fábio Feldmann, tinha o nome de gente que era do meio empresarial. O João Paulo Capobianco, de família de empreiteiro; não era gente irresponsável, não era gente festiva. Acho que esse objetivo nós atingimos com pleno sucesso, de fechar possibilidades para o discurso caricatural em cima de quem tinha preocupação ambiental.

Teve a época que era coisa de viado e de drogado, a caricatura. Mas acho que desde o início da nossa saída nunca houve uma tentativa de partir para um processo de denegrir a gente com esse tipo de coisa. Foi todo um processo. A Juréia,  foram anos de articulação, anos de trabalho. Depois teve a questão do Aeroporto também aqui em São Paulo, que não era para ser em Cumbica. Também de certa forma esse grupo da SOS estava envolvido com aquilo. Depois a BR-101 e essa questão de Iguape, Cananéia e Paranaguá.

Quer dizer, não dava para você vir com caricatura para cima de nós. E quando nós íamos para os debates públicos, íamos preparados e desde o início  nos colocamos dentro do mundo empresarial como um canal de conscientização responsável. Fomos até criticados por segmentos do movimento ambientalista, dizendo que “era uma entidade empresarial”. Não era uma entidade empresarial; era uma entidade nos seus primeiros anos de vida, seis, sete anos eminentemente políticos.

O objetivo da SOS era abrir um canal de comunicação com os meios empresariais para discutir a questão ambiental no processo de desenvolvimento como um todo, que não poderia ser relevado de maneira nenhuma. Se no começo tinha gente que tinha dúvida sobre isso, hoje você abre os jornais e você vê: a questão ambiental está inserida e a tendência é ela ganhar cada vez mais peso, porque o resultado desse crescimento material, que a humanidade teve na era industrial, está levando ao esgotamento dos recursos e à ameaças de mudanças do ambiente e impactos terríveis, perversos, dramáticos.

Nós fizemos bem a lição de casa. Teve momentos assim de você ter reuniões com o empresariado em Iguape, que eram reuniões tremendamente tensas; era compreensível a reação deles, porque tradicionalmente a economia do sujeito era aquela e ele não parava nem um minuto para fazer uma reflexão se havia outros caminhos, turismo, por exemplo, ou atividades sustentáveis. Mesmo neste sentido nós acabamos ganhando essas comunidades.

Hoje estou um pouco mais distante da SOS, mas as informações que  tenho é que nós estamos absolutamente inseridos na vida de Iguape, de Cananéia, de Paranaguá, das cidades do Vale do Ribeira, enfim, da região de província de Mata Atlântica. Atrás da SOS surgiu a rede de entidades da Mata Atlântica, que foi um trabalho de organização e articulação, inicialmente da SOS. Agora minha lembrança é sempre meio confusa, quer dizer, confusa não, a minha atividade principal foi sempre a minha atividade profissional. A SOS foi e é uma coisa complementar e que eu considero importante e muito importante na minha vida, ajudou no meu amadurecimento como um ser político e foi uma coisa prazerosa também.

P/2- Como o senhor sempre mexeu com essas reportagens, sempre teve na SOS, eu queria saber em relação à evolução da defesa do meio ambiente, a conscientização da população em geral, do tema ambiental.

R- Em minhas conversas com o pessoal da área ambiental, de vez em quando, sinto uma certa angústia, um certo pessimismo, achando que a questão ambiental hoje está relegada a um segundo plano. Acho que não; eu estava vendo as primeiras resenhas que estão saindo desse ano, nas revistas e nos jornais. As questões ambientais têm um peso tremendo, desde a ameaça das mudanças climáticas, que a gente está sentindo, até a questão de esgotamento dos mares, o lixo.

Quando nós começamos esse processo, há quase trinta anos atrás, você de repente tinha a Juréia, mas eram bandeiras, bandeiras pontuais. Caucaia, quando se tentou fazer o aeroporto lá. Era um ou outro jornal; hoje está na pauta, está inserido.

Acho que o movimento ambientalista como um todo  tem que se repensar em função do contexto e do processo que nós estamos inseridos. Como  atuar politicamente para que ele consiga resultados objetivos – não que esteja fazendo mal, acho que as coisas estão acontecendo e não dá nem para você comparar o processo hoje, em termos de ameaça de mudança, do que era há 30 anos atrás. Há 30 anos atrás você estava trazendo a questão para cima, você estava começando a pensar como articular que o Estado assimilasse uma estrutura, criasse uma estrutura para cuidar da questão ambiental, que é também uma questão problemática.

No fundo, não adianta você ter um Ministério, uma Secretaria de Meio Ambiente; a questão ambiental deveria estar inserida organicamente em toda a estrutura de governo do Estado de São Paulo ou em qualquer outro Estado da Federação, em todas as secretarias e no Governo Federal também. É diferente de um processo econômico, tudo mexe com a questão ambiental. Então ela deve permear toda a estrutura de governo.

Mas avançamos, antes não tinha nada. Essa estrutura que a gente tem hoje e essa estrutura têm a sua dinâmica, enfim, de trabalhar para ganhar efetividade. Acho isso, acho que a questão ambiental hoje está inserida na agenda do Brasil e na agenda mundial. Não há dia que alguma questão ambiental não é abordada nos jornais e que isso de alguma forma esteja andando.

Agora o mundo é complexo, enredado, as coisas não mudam na velocidade que a gente gostaria que mudasse. Hoje trabalho com redes de colaboração, conhecimento e negócios (o depoimento foi dado em 2004); não considero a infraestrutura da internet um meio para você organizar e distribuir a informação. Considero a Internet uma nova infraestrutura e que, para mim, é um conjunto de redes de colaboração, conhecimento e negócios. Agora a Internet, essa infraestrutura, ela está ainda na sua primeira infância, ela está ainda de calças curtas.

Nós vivemos uma época em que a economia industrial bateu no teto, ela fez tudo que ela poderia ter feito. E está surgindo um mundo novo que é conseqüência da evolução das tecnologias de comunicação e informação. Também mais recentemente biotecnologia, tecnologia e tudo, mas é um processo de inovação que está surgindo aí e que reflete em toda a estrutura, em todo arcabouço jurídico e institucional do mundo. Quer dizer, se você pega o Estado Nacional e o compara hoje com o início do século XX…

O próprio jornal como meio de informação, fazendo uma comparação paralela,  do início do seu amadurecimento como meio de comunicação até os anos 30, 40, tinha todas as ferramentas para interagir com a comunidade que ele estava inserido, intensamente. Na medida em que o processo industrial levou à explosão demográfica e ao crescimento desmesurado das cidades – que é fruto do processo industrial – criando megalópoles como São Paulo, distanciou o jornal do seu público, assim como isso ocorreu com o Estado Nacional, a máquina de gestão pública, que a cada dia está mais distante do público e dos seus interesses.

Isso ocorreu em tudo, em todas as instituições que regulamentam a vida em sociedade. A estrutura de regulamentação e jurídica do mundo está travada, estamos vivendo um momento de crise, que é um momento de mudança para um outro patamar, que vai ocorrer na medida em que as tecnologias de informação e comunicação amadurecerem e a conectividade for uma commodity, o display para você se interconectar for uma commodity. E, em consequência disso, as atuais regras, instituições amadurecidas na era industrial, na era do mundo analógico tiverem sido transportadas e transformadas para este novo mundo, que é muito mais dinâmico e tem uma relação muito mais intensa com os pontos de conexão possíveis entre os indivíduos e as comunidades, se adequarem para esse novo momento.

Agora isso ocorre na velocidade da História, dos movimentos profundos da História. É geracional, quer dizer o problema  hoje é como as redes são usadas ( o depoimento foi dado em 2004). Elas são usadas com muito mais limitação do que elas poderiam ser, porque o público não tem o entendimento do que seja a rede. A maioria das pessoas olha pra Internet como um meio broadcast, ela é utilizado como a televisão; você entra vê uma informação, você sai dali, vai para outro canal, mas você está só recebendo informação como você recebe da televisão ou do jornal. É broadcast e não rede.

Eu e Nicholas Negroponte na Agência Estado no início dos anos 90

Na realidade ela é uma rede bidirecional, interativa, que permite conexão multiponto, com quantos pontos você quiser ao mesmo tempo. É uma infraestrutura para o empreendedorismo intelectual ou econômico. A rede é muito mais um fator de articulação de processos do que qualquer outra coisa.

Agora, o que nós somos profissionalmente ou intelectualmente? Somos o que fizemos, somos  a rede que criamos. Este é o patrimônio de cada um de nós, este  é o nosso cabedal. Ninguém faz nada sózinho. Imagine se tivéssemos nascidos na era da rede amadurecida e tivéssemos tido a mesma performance que tivémos no mundo analógico no mundo digital.

Um jornal é um objeto de conhecimento; os ambientes que você cria, os ambientes da rede são objetos de conhecimento também, que vão permitir novos tipos de relacionamento entre as pessoas. Acredito que uma das possibilidades para os próximos 20, 30 anos, – quando a economia estiver mais sustentada pela rede e suas possibilidades de articulação, informação e comunicação, quanto entrarmos de fato na era do conhecimento e a rede for uma uma commodities para todo mundo, – é que nós vamos partir para o início da solução da problemática ambiental.

Não teremos necessidade de aglomerações urbanas do tamanho de São Paulo. Vamos partir para um processo de reurbanização e de reconstrução do que destruimos ou então a humanidade vai sucumbir porque o planeta Terra não suporta tanto desaforo quanto estamos fazendo com ele. Trabalho com esta hipótese, não vou assistir isso, mas enfim, você vê que a pressão por ocupação  vem diminuindo, não tem mais a pujança, que  teve na época do milagre brasileir. Não sei mais, derivei…

P/1- Deixa eu voltar um pouquinho. Você acha que da época que da época que a SOS foi criada pra hoje, a Mata Atlântica ganhou?

R- Acho que com certeza ela perdeu menos do que ela perderia se a SOS Mata Atlântica não tivesse surgido. Não só a SOS Mata Atlântica, mas todas as entidades não governamentais voltadas para essa área que surgiram nos últimos 20, 30 anos. Não estou acompanhando em detalhes, mas  tenho a impressão que, se não estou enganado, tem estados que já ocorreu, nesse acompanhamento que o próprio SOS faz através do Atlas da Mata Atlântica, já teve anos de ganho e não perda de cobertura florestal.

Agora, me perguntavam lá no início da SOS, qual o principal vetor, o principal objetivo da SOS Mata Atlântica? Eu sempre achei que era educar; comunicar para educar, ajudar a formar opinião, conscientizar. Os processos não andam na velocidade que você gostaria, você não está educando seu filho. Os processos da sociedade acontecem numa relação mais distante, mais atomizada.

P/1- Eu te perguntei isso porque eu estou vendo pelo que você está falando, que existe uma preocupação com a Amazônia, da sua parte assim, tem uma preocupação. Você acha que deveria ter uma ONG como a SOS, como a fundação pra lá?

R- Acho que a Amazônia perdeu a oportunidade dela, nós perdemos. Acredito que o que vai sobrar da Amazônia é a Calha Norte, é a Bacia do Rio Negro, aquela parte, porque é a zona mais pobre da Amazônia, tanto em termos de solo, quanto em termos de recursos minerais, florestais, energéticos e por aí afora. Por ser a zona mais pobre, historicamente, sempre teve menos pressão antrópica, teve menos gente. Você tem um número menor de municípios, Barcelos, que é a primeira capital da Amazônia e fica ali no médio rio Negro, é o maior município da Amazônia; e, se  não estou enganado, o maior município do Brasil.

E por quê? Porque não havia riqueza para se criarem outros municípios. Se você olha hoje, não sei agora o número de municípios da Amazônia, mas são muitos, uma foto noturna de um satélite da Amazônia, você leva um susto. Trabalhei em 1987, 88, 89,  fiz um lobby  no bom sentidojunto ao Sarney para que fosse promovido o zoneamento ecológico e econômico da Amazônia, que fosso criado um Centro de Sensoriamento Remoto na Embrapa. E o Sarney embarcou nesta viagem.

Primeiro com o Programa Nossa Natureza, qua acabou com IBDF, Sudam e um monte de órgãos inúteis para criar a atual estrutura ambiental do governo federeal, começando com o Ibama. Depois criou o núcleo de Monitoramento Ambiental da Embrapa, que hoje é uma unidade como todas as outras, o Centro de Monitoramento por Satélite da Embrapa, uma unidade exmplar, prestadora de serviços ao país. O núcleo começou nascer com o apoio para o governo Sarney fazer o programa Nossa Natureza, que foi um rearranjo rápido de algumas questões fundamentais de regulamentação ambiental e cujo fruto principal foi o pré projeto de zoneamento ecológico para Amazônia que deveria ter sido levado para Eco 92, uma extensão do programa Nossa Natureza.

Para isso,  fiz um projeto junto com o Eduardo Evaristo Miranda, que é o criador do Centro de Monitoramento por  Satélite da Embrapa, e o Cirad, que é o equivalente da Embrapa na França – financiado pelo Grupo Unip, o Objetivo, do João Carlo Di Genio, que patrocinou e deu infraestrutura para realizarmos o projeto. Imagens de satélite, vôos de avião e expedições de campo. Ficamos um ano trabalhando sobre a Bacia do Rio Demene, afluente do Rio Negro, para mostrar como essa tecnologia de satélite, ajudava, contribuía no processo de zoneamento de uma região.

O Projeto Radam tinha mapeado todas as riquezas: subsolos, possibilidades hidrológicas e potencial florestal, toda essa massa de dados para você encontrar as vocações, enfim o Estado chegar antes na região para monitorar  o processo como um todo. Trabalhar para que o processo de ocupação não seja totalmente destrutivo. Durante mais de um anos fizemos quatro expedições para a região. Do alto da cheia à seca total.

O Sarney fez esse trabalho, a Secretaria da Casa Civil articulou esse processo junto com todos os centros de interesse político de todas as tendências. A idéia era você chegar à ECO 92 com as regiões críticas da Amazônia zoneadas, as que tinham mais pressão de ocupação, e o projeto de zoneamento como um todo planejado. Para  tapar a boca dos que faziam o discurso de internacionalização da Amazônia, que naquela época era um pouco mais intenso, e ter um instrumento para tirar dinheiro para o planejamento da ocupação e proteção da Amazônia. Para ter políticas claras de ordenamento territorial para a região.

Mas isso não foi feito. O Collor acabou loteando o projeto com o Pedro Paulo, que era o secretário de Assuntos Estratégicos. Loteou a realização do zoneamento, dando verbas pra cá e pra lá, sem critério. O zoneamento virou uma colcha de retalhos, nunca foi feito como um todo. Enquanto isso, o Amazonas, um dos estados mais atrasados do Brasil foi se desenvolvendo, até se tornar nos últimos anos o que mais cresce no Brasil. Com isso, os municípios todos foram se encorpando e se encorporando à economia, criando a sua própria dinâmica local.

Não são os grandes empreendimentos de gado ou cana os maiores responsáveis pela derrubada da floresta hoje. É a dinâmica da economia local dos municípios a maior responsável. Com isso tudo, a perda da oportunidade na ECO 92, graças ao Collor, e o desenvolvimento econômico do Brasil, o que vai sobrar mesmo da Amazônia é a zona da Calha Norte, assim mesmo mais degradada do que é hoje.

Agora, tenho sempre a esperança que esse mundo novo que está surgindo – que é muito incipiente ainda e muito mal entendido pelo público em geral porque a própria imprensa não tem base de conhecimento pra cobrir o que está acontecendo – crie novas dinâmicas para que a ocupação da Amazônia passe a ser mais inteligente.

A rede, esta nova infraestrutura que era impensável até 20, 30 anos atrás, vai permitir níveis de articulação da sociedade inimagináveis há muito poucos anos. E vai também fomentar a criação de negócios com outras características dos de hoje, um mundo muito mais cooperado e colaborado do que existe hoje. Quer dizer, a internet tem esse grande fator, ela é uma tecnologia que fomenta a possibilidade de colaboração, de compartilhamento. É um substrato que fomenta as possibilidades de empreendedorismo econômico e também empreendedorismo cultural, educacional, de forma colaborada, compartilhada. Isso vai gerar impactos no processo acadêmico, no processo de criação, em todos os processos de atividade humana.

A revolução industrial, quando amadurece com a linha de produção,  tira o indivíduo do centro do processo; você passa a ser uma parte de uma máquina. A caricatura aí é o “Tempos Modernos”, do Chaplin. O processo da rede, com a evolução das tecnologias não proprietárias, o open source e a geração de novos conceitos de copyrigths vão gerar numa linha de tempo uma nova sociedade, que evidentemente é uma evolução do mundo de hoje, mas premido por novas fontes de recursos, novas infraestruturas, novas mentalidades, novas formas de ver e entender o mundo.

Desde os anos 80, quando  comecei a acompanhar movimentos de empresas de informação globais, em torno das redes de comunicação – a primeira delas é a Reuters – fazia uma correlação com a questão ambiental. A organização da economia industrial é piramidal, a organização da economia em rede é muito mais nivelada, depende mais da base. Um dos teóricos deste processo, o Nicolas Negroponte, fundador do Media Lab – o laboratório de mídia do MIT – diz que no futuro as estruturas hierárquicas que a conhecemos hoje, de empresas, da sociedade, vão ser substituídas por alguma coisa muito mais semelhante com o equilíbrio que você encontra no ambiente do que com a herança que nós tivemos do processo industrial, onde a base da economia é a energia. E o capitalismo, no sentido de fontes de financiamento, a base de tudo.

No início da era industrial, os capitalistas financiavam a produção atraindo os artesão para um espaço comum provido de energia. De responsável pela produção, o artesão se tornou um mantenedor da máquina, sua responsabilidade caiu para a manutenção, o apoio à produção. Depois,  veio toda a evolução que conhecemos privilegiando sempre a escala. Isso gerou inovação na indústria, fomentando sempre máquinas mais competitivas, e gerou também a concentração capitalista, na medida em que este processo beneficia o capital através do financiamento.

Não há dúvida, porém que este processo beneficiou a humanidade. Na idade média, na época feudal, a Terra estava no centro do universo, e a sociedade não tinha mobilidade alguma. Quem nascia servo morrria nesta condição. A Igreja Católica e o absolutismo, o poder temporal, tinham todo o poder. De lá pra cá, a mobilidade social aumentou exponecialmente e o nosso planeta consegue manter vivo a cada anos um número maior de indivíduos, com uma expectativa de anos vividos também maior.

P/1- Pensando na rede, você pensa a SOS fazendo parte dessa rede?

R- Eu penso e sempre que posso meciono isso para a fundação. Mas neste momento minha prioridade zero é trabalhar para a empresa que estou desenvolvendo se consolidar.

Agora, já existe hoje uma rede de sites ambientais segmentados. Você tem cento e poucos entidades não governamentais na área de Mata Atlântica, um processo articulado de certa forma pela SOS Mata Atlântica. O que eles são? Eles são sites de informação, que estão ali e o cara botando: “Aqui aconteceu isso, isso assim…” Não deveria ser assim. O ideal seria que cada um destes sites fossem um ambiente de comunidade de prática. É uma filosofia completamente diferente.

O primeiro prioriza a coleta da informação e organização desta informação para ser distribuída para as pessoas que chegam lá ou são  atraídas para o ambiente por newsletters ou emails com links. O segundo prioriza a participação ativa das pessoas na construção contínua do ambiente. Isso significa uma construção completamente diferente do que você vê, em regra, na Internet.

Tem formas de você fomentar, emular estes processos, e isso poderia contribuir para a organização do movimento ambientalista se você quiser. Mas isso só é possível com visão, vontade política e equipe. Mas ainda não chegamos neste tempo: 90% das pessoas ainda consideram a internet mais um meio de comunicação, uma tecnologia que permite o armazenamento infinito e uma distribuição eficaz da informação. E mais nada.

Semana passada foi anunciando que o Google e outras empresas da internet vão indexar cerca de 15 milhões de livros. No início talvez você não tenha acesso ao livro na íntegra, mas o objetivo é que os livros que forem de domínio público, você faz o download em PDF ou o que  seja, da íntegra ou de trechos. Qual será o efeito disso quando estiver disponibilizado para o público?

Qualquer sujeito hoje que está trabalhando, tem um problema qualquer de informação, entra no Google ou na Wikepedia,  bota a palavra chave e pronto. Tem um caminho rápido e eficiente para sanar a dúvida, para esclarecer o problema. A internet já trouxe benefícios incomensuráveis para a economia e para a articulação da sociedade como um todo, mas é só a ponta do iceberg.

A nossa geração –  tenho 50 anos de idade – por mais que você trabalhe intensamente com computador e as tecnologias digitais – tem limitações de entendimento, compreenção das possibilidades da rede. Não nascemos com  ela implantada e amadurecida. Ela não está no nosso cortex, não é uma extensão da nossa inteligência. As gerações futuras não, isso vai estar imbuído dentro da inteligência do indivíduo, da sua capacidade de articulação e expressão. O que a rede exponencia é justamente isso, a articulação, a forma de se expressar, de se comunicar. No futuro, as redes vão se auto criar. Serão processos quase autônomos.

Por isso, o processo de formação da opinião pública vai ser uma coisa muito mais autônomo, complexo e sofisticado do que hoje. E as empresas jornalísticas não vão existir como as entendemos hoje.

As empresas jornalísticas são frutos do processo industrial. Elas surgiram no Renascimento e Iluminismo, mas os jornais no século XVII eram panfletos de vida efêmera;  uma reação da burguesia ao monopólio da Igreja e do poder absolutista em relação à informação. Quando  Gutenberg inventa a imprens, libera o conhecimento para todo mundo, aquilo que era um privilégio do poder, guardado a sete chaves nos mosteiros, se torna público. E a possibilidade de você ser um publicador passa a ser acessível para as pessoas comuns da época.

Os jornais só se organizam como empresa a partir de meados do século XIX. O processo que leva à configuração da maturidades da indústria de informação ocorre entre as duas grandes guerras. A partir do final da década de 40, inicia-se a decadência, lentamente. Os jornais não vão acabar abruptamente, mas vão acabar, pelo menos como nós os entendemos ainda hoje.

A questão que se coloca é onde está o poder do jornal ou por quê eles alcançaram tanto poder? Historicamente, eles se legitimaram na medida em foram plataformas de articulação das sociedades em que estavam inseridos. Ao mesmo tempo, eles eram o marketplace desta comunidades. Não havia a profusão de mídias que temos hoje. Os jornais tinham quase o monopólio da distribuição da informação editorial e comercial, os classificados, os pequenos anúncios.

Com a internet, com a rede, todo mundo é um publicador. É claro que esta cultura não está disseminada, mas a cada ano ela amadurece um pouco mais. Com isso, a sociedade vai se auto organizando. Precisamos desenvolver centros de conhecimento específicos para fomentas este processos e isso está ocorrendo. Mais adiante, qualquer indivíduo vai ter a sua própria  comunidade na rede, refletindo a sua personalidade, os seus interesses, a sua área de conheciment. Isso vai gerar um processo social, econômico e políticp muito mais dinâmico do que o de hoje.

Você já se perguntou como se formou a sua relação com a sua comunidade, a sua cidade? A minha relação primeiro com o mundo foi quem? Meu pai, minha mãe, minha casa, a rua, a escola, o clube, você vai abrindo.  Para as novas gerações, a rede faz parte da relação deles com o mundo, isso dá uma abertura tremenda. Antes tínhamos limitações de relacionamento pelo espaço físico; hoje não temos mais.

Mas isso, este processo, ainda não é dominante… é possível, mas não é fácil. Os caminhos não estão feitos, não existe cultura, então o processo ainda está se montando. Mas chega um determinado momento que aquilo flui, passa a ser o dominante. Isso em todos os sentidos, tanto da montagem da sua rede, do seu conhecimento, a sua atividade profissional e o processo político como um todo, que vai ser uma coisa muito mais aberta, muito mais atomizada, do que é hoje.

Os jornais tiveram esse papel de articulação das comunidades e da democratização da disseminação da informação. Hoje, eles são uma estrutura de poder do mundo antigo e  resistem a este novo processo. Se eles se abrissem ao processo, assumindo a crise da indústria, teriam acondições de ser um dos fomentadores do processo e encontrar seu espaço neste novo mundo em construção.

Tudo isso tem a ver também com a crise ambiental, com o reconhecimento dos impactos da nossa atividade sobre o ambiente. O problema é que o processo econômico é sempre perverso.

P/1- A gente já está chegando ao fim. Você podia fazer um balanço desses 18 anos da fundação?

R- Acho que o balanço é extremamente positivo, por tudo que eu disse aqui neste depoimento. A questão ambiental se inseriu na pauta política, na pauta econômica, na pauta empresarial, ela se inseriu em tudo. O número de entidades aumentou barbaramente. Houve um processo de segmentação e a SOS, de certa forma, também se segmentou, apesar de ter virado uma instituição e por isso um membro do status quo.

Hoje os objetivos dela são mais focados, a preocupação orçamentária é mais acirrada. É uma entidade já com maturidade, com processo que independe de quem esteja comandando, aquilo já tem uma lógica. Na minha perspectiva, que é específica, o grande momento da SOS foi enquanto ela, de fato, era intermediária entre sociedade civil, o mundo acadêmico preocupado com a questão ambiental e o poder público. E gostaria de a ver reforçando essa missão dela, essa responsabilidade dela.

Hoje isso não é a prioridade da Fundação. Não acho que seja responsabilidade de ninguém, é uma conseqüência do processo e também da despolarização do movimento ambientalista. Mas acho que o nome SOS Mata Atlântica continua sendo um nome com uma força muito grande junto ao público. E talvez valesse a pena a Fundação procurar reforçar esse aspecto da personalidade dela, que foi mais forte nos primeiros dez anos da história dela. De qualquer forma ela desempenhou e desempenha um papel importante na formação da cultura de resposnabilidade ambiental do empresariado. Da questão de sustentabilidade como um todo.

P/1- O que representa pra você a Mata atlântica?

R- A Mata Atlântica, como um todo, se for para chegar à última instancia, é uma questão estética. Acho que para cultura do ser humano, do homem, a relação com o meio ambiente foi sempre uma base primária para o estabelecimento de um conhecimento estético. E isso se reflete na ética, na filosofia, na economia, na política, na cultura da sociedade como um todo.

O equilíbrio da natureza  é um fundamento estético para a formação da sociedade. Estamos perdendo. É alguma coisa do imaginário da humanidade que está sendo jogado fora e sendo substituído por violência, que não é só física.

A Mata Atlântica para mim teve uma importância enorme neste sentido. Da Serra do Mar na beira do litoral Norte de São Paulo a todo o conjunto de ecossistemas que estão contidos no que denominamos na SOS como a Província de Mata Atlântica, que é uma concepção aberta do que seria Mata Atlântica.

A questão é você ter consciência de que você não tem direito de vida ou morte no espaço que você vive; você tem compromissos com o que virá depois.

P/1- Você gostaria de falar alguma coisa que eu não perguntei?

R- Provavelmente gostaria, mas não me lembro (risos).

P/1- Bom, então eu queria te agradecer por você ter vindo e ficado esse tempo aqui com a gente. Obrigada.

R- Obrigado a vocês

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